Já se sabe que discursos não enchem barriga. E estas já ruminavam a pedir comida – o relógio já passava muito das duas da tarde – quando Augusto Santos Silva, ministro dos negócios estrangeiros, fez as despesas da casa, atacando a direita e a forma como esta tem agarrado a questão de Tancos, apesar de tal assunto nunca ter sido nomeado. Falou para o país e para as câmaras de televisão que o focavam.
“Não queremos trazer as instituições da República portuguesa para a lama, onde elas nunca estiveram. Sabemos que justiça e política são coisas diferentes. As questões judiciais resolvem-se nos tribunais e as políticas no parlamento”, evocou, mostrando-se preocupado com “o nível de degradação da linguagem política”. Começou por acusar a líder do CDS, Assunção Cristas, (e é a única vez que um coro de assobios se fez ouvir), de “querer afundar o nível” do debate, para logo a seguir nomear Rui Rio.
“Rui Rio gosta de produzir belas teorias. Defende o rigor financeiro e a clareza das decisões. Mas quando foi necessário falar com clareza, Rio disse uma coisa num dia, outra coisa noutro dia, e depois ainda disse que não tinha dito o que disse. Podemos confiar numa pessoa assim?”, questionou. “Quando ele diz que é preciso serenidade e elevação nas questões da justiça é uma bela teoria. Só tem um problema: estava à espera da primeira oportunidade para desdizer isso. O país pode tolerar isto?”.
O pavilhão de congressos de Matosinhos estava cheíinho. Cerca de duas mil pessoas (havia refeições preparadas para 1600) aplaudiram. Francisco Assis, que tem sido um dos críticos da chamada geringonça, estava sentado na mesa de António Costa. Terá talvez gostado mais de ouvir Santos Silva dizer que, para o PS, era “indispensável” ter “uma maioria parlamentar para prosseguir caminho”. E prevenir eleitores contra “os que dizem poder ter um poder desmesurado na próxima legislatura” e que “pedem 30 mil milhões de euros para nacionalizar empresas”. O recado ao BE também estava despachado.
Posto isto, havia que frisar o feito de Costa, que reconstituiu o “arco da governação” ao derrubar barreiras. “Esse muro está derrubado e ninguém o vai reerguer”, garantiu, pois a intenção será continuar “o diálogo à esquerda” para “garantir no parlamento o apoio a políticas progressistas”.
Os pratos continuavam vazios, quando António Costa, já recuperado do problema muscular que o obrigou a suspender um dia de campanha, subiu ao palco improvisado, para prometer “fazer ainda mais e melhor” por “uma grande coligação de todos os portugueses” e pedir um grande esforço de mobilização. “Alguém acredita que sem o PS esta solução política teria durado 4 anos? Ninguém”, proclamou. “Alguém acredita que sem o PS, tínhamos conseguido voltar a página da austeridade e ter os juros mais baixos da divida, poupando aos portugueses dois mil milhões de euros o ano?”. Tudo para mostrar que “só o PS pode conjugar a ambição de ir mais longe com a responsabilidade de nunca dar um passo maior do que a perna e sem correr o risco de fazer tudo voltar atrás”. Por isto, “sem ou com maioria, sem ou com geringonça, a todos é necessário votar no PS”.
Atrás do palco, a responsável do restaurante Mariazinha, de Matosinhos, comandava a saída do catering. Primeiro, as sopas, que era preciso confortar estômagos. Alguns membros do staff, abasteciam-se mesmo na cozinha. Enquanto se desmontavam camaras de televisão, Domingos Ferreira, um histórico da logística socialista, vigiava se o primeiro arroz á valenciana a sair era servido na mesa dos candidatos. Mas os cerca de 50 empregados de mesa – a ganhar 1000 euros limpos – mal conseguiam passar entre as mesas, de tão próximas. Quando o vinho chegou à mesa, houve quem brincasse, ao olhar um dos rótulos: “Terras do Paço? Ainda bem que não é com dois esses”. O Plainas, verde branco, também lá andava. Uma rosa vermelha decorava todas as mesas.
Luisa Salgueiro, a autarca anfitriã, sorria, satisfeita, por saber que Matosinhos mais uma vez tinha respondido à chamada de coração cheio. E, como não podia deixar de ser, foi quem abriu os discursos. Ao lado, uma técnica de linguagem gestual tudo traduzia para um grupo de surdos mudos presente. Elogiou o “altruísmo e desprendimento” de Carlos César; a “pessoa determinada e amiga do coração, Catarina Mendes; as “promessas cumpridas de Ana Vitorino” que construiu finalmente o portinho de Angeiras; e o passe único da área metropolitana proporcionado por Matos Fernandes. E fez ver a todos os presentes que o PS, afinal, “não era o diabo nem o papão que faria fugir o investimento”. “Foi fácil e imediato encher este pavilhão”, admitiu, “mas não chega para uma maioria confortável”.
Também o eurodeputado Manuel Pizarro foi dizer de sua justiça. Antes de Santos Silva, também ele tinha mandado bicadas à direita, pelas incapacidades demonstradas em discutir política. “Lá vem a conversa da direita, calúnias, ataques pessoais, casos e mais casos. É preciso mobilizar para dar ao PSD e aos CDS a derrota que merecem”, já que “não conseguem resistir a deitar lama para cima da política”. Pediu, por isso, que se mobilizassem amigos, familiares ou companheiros de café.
E parece ter sido o que fez o vice-presidente do Leixões Sport Club, Júlio Lourenço, militante socialista “desde que nasceu”. Pegou no presidente do clube, Jorge Moreira – que às 16h se preparava para um jogo de veteranos no Estádio do Mar, mesmo ali ao lado, e convidou-o para o almoço. O presidente ainda teve tempo de oferecer um cascol do Leixões, “o coração de Matosinhos”, a António Costa. Questionado se ia votar PS, Jorge Moreira engasgou-se, pediu desculpa, e escondeu-se no voto secreto.
Numa das mesas, enquanto se desesperava para ver comida no prato (10 euros por cabeça), que tardava, amigos socialistas discutiam assuntos que os dividiam. Mas o visado, apelava: “Há um momento para unir e convergir. E outro para discutir. É só no dia 7 que temos de discutir.”
Falta pouco para as 16h, quando António Costa e o seu estado maior se levantou, apanhou a carrinha wv e rumou a Lisboa, com certeza já concentrado na entrevista que dá, esta noite, à RTP. Do outro lado da estrada, por entre gaitas e latadas, os lesados do BES, desta vez sem a presença de Pardal Henriques, gritavam: “Mais uma vez António Costa fugiu dos lesados. Foge da verdade como o diabo da cruz. Ele não é um homem, é um fugitivo. E é ele que continua a dominar o sistema.”
Foi Pizarro a ir ao encontro deles, fazendo pedagogia sobre o caso. “Vamos lá ver se a gente se entende com os factos”, dizia. “Nem eu, nem ninguém, quer pegar em dinheiro de mais impostos para lhe pagar a si. Não vai haver governo nenhum que faça isso”.
Mas os lesados, apesar de culparem Ricardo Salgado, Carlos Costa, Cavaco Silva e Passos Coelho por terem ficado sem o seu dinheiro, não abdicam da ideia de que terá de ser “o governo em funções a resolver o problema”.