Estivemos todo o dia à procura, mas ainda não encontrámos nenhum partido que dissesse que “contas certas não interessam para nada”. Augusto Santos Silva alertou contra “esses”, mas podemos estar descansados, que “esses” não existem: podemos votar em qualquer um.
Malhar à esquerda
Um dos discursos do dia, foi o de Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros e n.º 2 do Governo: não deve ser dada mais força “àqueles que dizem que as contas certas não interessam para nada” (o que pressupõe que, se lhes for dada a mesma força, tudo bem). No entanto, olhamos em volta e ninguém se acusa. Mas Augusto Santos Silva dá uma pista: “Os que querem gastar 30 mil milhões de euros em nacionalizações”. Ah, espera! Estará a referir-se ao Bloco de Esquerda? O BE é a força política mais explícita no pedido de nacionalizações – pelo menos, nomeia algumas empresas em concreto, a começar pelos CTT, passando pela REN e a acabar na GALP. Os números é que podem não ser bem aqueles. Aliás, em 1975, houve nacionalizações sem que o Estado gastasse um tostão com elas… Se levarmos ao limite os métodos revolucionários, nacionalizar é diferente de comprar… No fundo, Santos Silva junta-se a Assunção Cristas, agitando o fantasma do PREC… O que separa PS de CDS é apenas uma questão de escala… Mas adiante, já percebemos a ideia: malhar na esquerda.
Malhar à direita
Mas será que Augusto Santos Silva pisca, agora, o olho à direita? Oiçamo-lo: “A direita quer lançar lama sobre as instituições!” A que se referirá? O seu ex-colega de ex-governo, Pedro Silva Pereira, ex-n.º 2 de José Sócrates, dá-nos uma pista: “O caso de Tancos” veio inquinar uma campanha “que até estava a ser civilizada”. Conclui-se que, para o PS, criticar o Governo é “lançar lama sobre as instituições” e que questões incómodas transformam uma campanha na… barbárie. O que se viu, no entanto, foi um PS um pouco desfasado: afinal, hoje ninguém queria falar sobre Tancos. Mas, como a melhor defesa é o ataque, os socialistas antecipam os supostos movimentos do adversário… e falam eles. Chama-se a isto “espantar as moscas”.
Senão, vejamos: Rui Rio disse, em reação às palavras de Santos Silva, que até nem queria falar mais no assunto, mas que quem puxa a conversa é o PS… E nós perguntamos: será que, neste “pairar” diário sobre a campanha, teremos alguma oportunidade de falar de outras coisas?…
A maratona de Costa
Malhar, eis o que é preciso fazer, nos últimos dias de campanha. Uma maratona não dura 42 quilómetros e alguns metros: dura apenas 12 quilómetros – os últimos. Como todos os maratonistas sabem, até aos 30 kms “qualquer um” corre. É a partir dessa marca que a seleção se faz. É então que quem vai à frente pode ficar para trás. É nessa altura que o atleta confirma se está ou não em forma. É a partir dos 30 kms que vêm as dores intestinais, que o ácido lático se aloja na barriga das pernas, que a dor de burro se torna insuportável. Ninguém sabe se conseguirá ganhar uma maratona – ou, ao menos, terminá-la – sem passar pelos teste dos 35 quilómetros. Foi mais ou menos isso que, inspirado, ao lado de Rosa Mota, António Costa lembrou: a campeoníssima não ganhou as suas medalhas de ouro aos 20, nem aos 30, nem aos 35 quilómetros: só soube que ganhava aos 42 e tal. O mote está dado: Costa prepara os últimos 12 quilómetros. A última semana de campanha é que decidirá se perde, se ganha ou por quantos ganha. Se a medalha de ouro da maioria absoluta se confirma ou se o doping de Tancos, ingerido pela oposição, permite aos adversários impedir esse desiderato.
As tamanquinhas de Jerónimo
Jerónimo de Sousa juntou outra expressão popular à longa lista de coloridas imagens que fazem dele, realmente, um de nós: “Podíamos ter ficado nas nossas tamanquinhas…” Parece ser apenas uma frase sem grande sentido, mas é toda uma declaração política: se bem repararmos, o secretário-geral do PCP tem passado os últimos dias a explicar aos seus camaradas por que decidiu o PCP alinhar na “geringonça”. As “tamanquinhas” são o lado do protesto: “Se o PCP se tivesse mantido como partido de protesto”… Jerónimo mostra os resultados, vincando o papel do PCP nos “avanços” registados. A auto justificação pode indicar uma de duas coisas – ou ambas: primeiro, o PCP não quer deixar ao PS e ao Bloco de Esquerda o exclusivo de méritos como o da recuperação de rendimentos. Segundo – e mais significativo – a direção do partido está, nesta fase da campanha, numa luta titânica para segurar, ao menos, o seu eleitorado tradicional, algum do qual poderia estar zangado com a associação dos últimos quatro anos ao PS. Não por acaso, este discurso tem sido muito mais vincado durante a passagem da caravana da CDU pelos tradicionais bastiões comunistas: margem sul do Tejo e Alentejo.
E agora, senhores eleitores, vem aí a reta final da campanha. Já se votava…