A questão é simples. Os governos PSD/CDS só tinham oposição do PS para a esquerda, já que à direita não tinham ninguém. A geringonça só contava com oposição do PSD para a direita, pois PCP e BE conviviam com o governo minoritário como casais em regime de união de facto, embora pouco felizes e entusiasmados. Mas agora não, todos fazem fogo cerrado contra o governo e o partido que o apoia, tanto à esquerda como à direita.
Acresce que boa parte dos média contribuem para um clima de permanente crispação, amplificando a política de casos com que a oposição vem marcando o terreno, quer porque não consegue apresentar um verdadeiro projecto político alternativo e sustentado, quer porque o país sabe que o governo tem enfrentado crises sucessivas que lhe tornam difícil o percurso, como a pandemia, a guerra e uma inflacção como não se via há trinta anos, quer porque até tem apresentado resultados em política económica. Afinal, não tanto é o estado da política que devia interessar mas sim a política do Estado. Veja-se o caso da visita do presidente do Brasil. Ninguém quis saber dos 13 acordos assinados com Portugal, apenas se pretendeu explorar as declarações infelizes de Lula acerca da guerra na Ucrânia, apesar de rectificadas.
Note-se como o desemprego está em níveis muito baixos como há muito não se via. Veja-se como a sustentabilidade da Segurança Social tem sido assegurada e fortalecida. Repare-se como a dívida pública tem vindo a revelar uma trajectória de redução como não há notícia há muito e a economia cresce (crescimento homólogo de 2,5% e de 1,6% em cadeia) e aumento de 13,3% das exportações no primeiro trimestre deste ano.
As políticas públicas pouco se discutem, talvez porque o governo vai fazendo o seu trabalho e apresenta resultados. Resta à oposição o caminho mais fácil que é resvalar para o populismo, fazendo uma política de casos e recorrendo constantemente ao insulto, transformando a vida política num ambiente de taberna. Assim, há que pedir diariamente na praça pública a queda da maior parte dos ministros, tentando fragilizar a governação. E já agora convém ir sugerindo que o presidente vai dissolver o parlamento a qualquer momento, o mais tardar depois das eleições europeias, de modo a dar ideia de que este governo está a prazo.
Além de ter tido que lidar com a crise sanitária, a guerra na Europa e a crise inflacionista, o governo tem ainda contra si – por muito que pareça estranho – o facto de estar a receber verbas do PRR, já que todos acentuam as reivindicações com base na ideia de que agora há dinheiro disponível, como se estes fundos europeus não fossem destinados a investimentos estratégicos na economia a fim de promover o crescimento que é uma das nossas debilidades desde sempre.
Mas a verdade é que o governo tem-se posto demasiado a jeito, talvez convencido de que a maioria absoluta o protege de todos os ventos contrários, e tem-se prestado a inúmeras polémicas desnecessárias, revelando todos os dias a mediocridade do seu pessoal político e assessores. Por isso corre o risco de cair de podre devido a uma espécie de maldição absoluta. Como diz o outro, não havia necessidade.
Bem sabemos que hoje em dia é muito difícil convencer cidadãos de valor e com carreiras sólidas a entrar no governo do país, pois sabem que no dia em que o fizerem acaba-se o sossego. Passarão a ter a sua vida e da família esmiuçadas até ao tutano, a ser insultados na praça pública e constantemente alvo de suspeição, além de sofrerem uma quebra significativa nos seus rendimentos. Como não estão para isso, resta aos governos ir buscar homens e mulheres dos aparelhos partidários e os jotas, independentemente das suas competências e capacidades.
Mas nada garante que um governo de direita fosse melhor, depois da experiência do “ir além da troika” e dos cortes de salários e pensões. Falamos de uma direita que anseia implementar o modelo americano, isto é, acabar com a escola pública de modo a favorecer o negócio dos privados, que promove a selecção de alunos e acaba de vez com o elevador social. Uma direita que quer fazer da saúde um negócio, deixando os mais vulneráveis morrer sem assistência. Esta é a visão política do Chega, da IL e parcialmente do actual PSD, que desde o passismo abandonou a sua matriz social-democrata e se travestiu neoliberal.
Quando Montenegro diz que o seu verdadeiro adversário não é o populismo mas sim o socialismo, está a afirmar duas coisas. Primeiro, que a democracia para ele é circunstancial e, apesar do que tem dito ultimamente, duvida-se que, se necessário, o PSD não venha a dar o braço ao Chega para conseguir governar, como fez nos Açores. Segundo, que não se revê no ADN do seu partido – a social-democracia – já que o “socialismo” com que pretende atacar o PS é exactamente a social-democracia.
E como é que este homem se presume preparado para governar o país, num tempo de tantas complexidades em que vivemos, se nunca governou sequer uma simples freguesia?
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