Ao contrário do que se possa pensar só na segunda metade do séc. XIX o Natal começou a tornar-se uma tradição cultural americana. Em especial devido aos imigrantes luteranos alemães que trouxeram consigo para a América tradições de Natal até aí desconhecidas como a árvore de Natal e a figura do Pai Natal.
Segundo Daniel K. Williams, autor e professor de história na University of West Georgia, foram os unitarianos e os episcopais que criaram a tradição cristã do Natal na Nova Inglaterra. Já os puritanos opunham-se fortemente a essa evocação devido a considerarem não existir base bíblica para tal comemoração. A sua preocupação era organizar uma sociedade cuja legislação não violasse nada daquilo que a Bíblia dizia. A sua recusa centrava-se na ideia de que as Escrituras não mencionavam a celebração da Natividade nem uma época ou dia que tenha marcado o nascimento de Jesus de Nazaré.
Mas haviam outras razões. Não só a ligação das festividades ao catolicismo romano, mas também o facto de na Inglaterra do século XVII, o dia de Natal se ter tornado conhecido mais pelos excessos do álcool e do jogo do que por qualquer devoção religiosa. Mesmos depois da influência puritana se ter desvanecido os congregacionais da Nova Inglaterra mantiveram viva a prática puritana de não observar o Natal nas suas casas ou igrejas.
Também as principais correntes evangélicas do final do século XVIII e início do século XIX não mostraram interesse no feriado, pelo que as igrejas baptistas, metodistas e presbiterianas evitavam celebrar serviços religiosos alusivos à época natalícia.
Foram os episcopais que começaram a ornamentar com vegetação os seus templos e a celebrar o Natal com serviços religiosos alegres, o que contagiou os congregacionais. A linha mais evangélica que sentia com desconforto os excessos da celebração natalícia resolveu então passar a celebrar a quadra mas de forma mais centrada no evangelho, à boleia da influência de Charles Dickens, um popular autor britânico que tinha escrito A Christmas Carol, onde retratava o feriado como uma época em que o velho avarento Ebenezer Scrooge havia descoberto a alegria da generosidade.
Educado na Igreja de Inglaterra, Dickens aproximou-se em adulto dos unitaristas, que acreditavam na reforma moral através do esforço humano e olhavam o Natal como uma oportunidade para unir os cristãos e encorajar atitudes construtivas que haviam de melhorar as relações sociais. O escritor, que simpatizava com a dimensão humanitária do ministério público de Jesus Cristo, utilizou então a ficção nesse sentido.
Segundo a revista Christianity Today, em A Christmas Carol “Scrooge experimenta o que equivale a uma conversão unitarista de Natal: torna-se um homem melhor. Se Jesus é necessário para tal conversão, ele é necessário apenas como um exemplo moral inspirador da possibilidade humana, não como um salvador expiatório. Afinal de contas, os unitaristas não aceitavam a ideia da expiação substitutiva e também rejeitavam a ideia da divindade de Jesus e todos os aspectos da teologia trinitária. No entanto, muitos tornaram-se defensores apaixonados do Natal em meados do séc. XIX porque viram no feriado uma história do amor de Deus pelo mundo e a esperança optimista da fraternidade humana universal”.
Afinal terá sido Dickens quem, à sua maneira, contribuiu decisivamente para que o Natal passasse a ser celebrado e o Menino Jesus começasse a ter direito à sua festa de aniversário nos Estados Unidos. Era necessário criar uma nova tradição de sentido religioso e ligada à família. No início do séc. XIX episcopais e unitaristas procuravam uma alternativa ao puritanismo calvinista, de modo a tornar o Natal mais universal como universal era a oferta de salvação de Deus.
Então o Natal passou a ser uma época de alegria mais ou menos como o conhecemos hoje, tirando os excessos mercantilistas, com toda a sua estética musical, familiar, fraterna, de aproximação e encontro, incluindo os artefactos decorativos e a simbólica, em vez de um exercício de reflexão sobre a condição decaída e pecaminosa da humanidade. Mas ao longo do século passado a celebração do Natal perdeu quase completamente qualquer sentido religioso nos Estados Unidos e no mundo.
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