Quase todos os grandes movimentos sociais e revolucionários começam por um rastilho que já lá estava sobre um barril de pólvora e que subitamente se acende. A república iraniana é um regime de características medievais que se vai aguentando num contexto de repressão feroz, de aplicação da sharia, de crise económica e inflação galopante, sem liberdade de pensamento, expressão, reunião ou associação.
A repressão sobre os jovens tem sido igualmente desumana, especialmente sobre as mulheres. Desta vez morreu uma mulher de 22 anos depois de ter sido detida pela polícia moral em Teerão por alegadamente ter parte do cabelo à vista. Mahsa Amini foi presa quando circulava na rua com o irmão, que protestou contra a detenção. Segundo testemunhas oculares, Mahsa Amini foi espancada pelos agentes dentro da carrinha da polícia após a detenção e sofreu graves ferimentos na cabeça que a deixaram em coma. O regime tentou mascarar a situação com um problema de saúde mas a família rejeita, uma vez que a jovem era perfeitamente saudável.
A simples ideia de uma polícia da moralidade é abjecta. Como se o estado tivesse que “educar” os cidadãos e ensiná-los como se comportarem em sociedade. Muitos iranianos criticam a existência desta polícia e chamam-lhe “Patrulhas de Assassínio”. As prisões arbitrárias, a tortura, os abusos de autoridade são constantemente denunciados por parentes dos presos e pela Amnistia Internacional.
A revolta alastrou às trinta e uma províncias do país, especialmente entre os jovens, que constituem a maioria da população e está a ter forte repercussão nas comunidades migrantes em todo o mundo. Elas tiraram os lenços (hijab) e queimaram-nos nas ruas de oitenta cidades iranianas ao som de slogans cantados contra o regime clerical, com o apoio dos homens pois parece que todos perderam o medo. A sua coragem é assinalável e já se contam largas dezenas de mortos abatidos a tiro pelas forças repressivas do regime dos ayatollahs.
Apesar do governo ter tentado controlar as manifestações ao apagar a internet e restringir plataformas como Instagram e WhatsApp, que têm sido usadas para organizar a revolta, os EUA garantiram o seu acesso via satélite e acrescentaram novas sanções, limitando assim o acesso do país às redes financeiras globais.
Entretanto, o presidente do Irão, Ebrahim Raisi, cancelou uma entrevista com a jornalista da CNN Christiane Amanpour, em Nova Iorque, devido à sua recusa em usar um lenço, imposição que nunca antes tinha sido colocada fora do Irão. Seria interessante entender que gatilho psicológico é accionado nos extremistas islâmicos pela visualização do cabelo feminino…
Um regime que elege a sua população como inimiga, reprimindo-a sem dó nem piedade, que prende os seus cidadãos sem quaisquer garantias, que os condena sem defesa, que assassina sistematicamente quem lhe apetece e que impõe um rigoroso código de vestuário, que persegue especialmente as mulheres e que não permite qualquer protesto pacífico, tudo isto em nome duma fé religiosa, só pode ser dirigido por gente mentalmente doente.
O termo ayatollah significa “sinal de Deus” (āyat, sinal, e Allah, Deus). Pois, se estes criminosos representam mesmo o seu deus, então eu serei um ateu convicto desse deus. Afinal, esse deus misógino e racista odeia as mulheres, as minorias, os judeus e os ocidentais. Odeia a alegria e o prazer. Odeia as religiões em geral, mesmo a fé Bahá’í que tantos seguidores tem no país. Odeia até os sunitas, que são crentes da sua religião mas de outra tradição. Ora, um deus que teme a concorrência, que esconde e penaliza a beleza feminina que ele próprio terá criado, não pode ser pessoa de bem. Só pode ser um deus criado à imagem e semelhança de mentes perturbadas, portadoras dos mesmos vícios e fraquezas de carácter dos humanos, tal como as divindades greco-romanas.
Em tempos de diálogo inter-religioso, em nome da paz no mundo, este tipo de regimes afigura-se como verdadeiras aberrações mantidas por mentes perturbadas, que odeiam as mulheres e todos aqueles que não pensam e vivem como eles.
Mas apesar de tudo a população iraniana é jovem, preparada e informada, pelo que resta a esperança de que a revolução aconteça mesmo, como de costume a partir da juventude. Esperemos que sim, pois sempre que uns quantos se dispõem a morrer pela liberdade e justiça da sua pátria, alguma coisa acontece.
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