As igrejas realizaram eventos ecuménicos com oração em favor do processo eleitoral e levaram a feito uma celebração ecuménica em memória do ex-presidente durante as exéquias fúnebres. Estão a dar um bom exemplo às forças políticas e sociais para que façam o mesmo. Entendam-se.
A verdade é que subsiste uma imensa desconfiança sobre o processo eleitoral, desde logo pela desigualdade de acesso aos meios de comunicação social, mas também pela forma de trabalhar da CNE que não é propriamente transparente. Mas também não vale a pena prestar muita atenção às críticas feitas nesse sentido por Isabel dos Santos ou pela perturbada Tchizé pois parece que nunca contestaram as eleições anteriores, em especial quando o pai estava no poder.
A verdade é que se verificou a transferência de um milhão de votos do MPLA para a UNITA desde 2017 e custa muito a perceber como é que o galo negro não ganhou nas províncias onde tradicionalmente vence.
O MPLA tem que se começar a habituar à ideia de que vai ter de ceder o poder mais cedo ou mais tarde. Se desde 2008 vem a perder dez por dento dos votos de eleição em eleição (só desta vez perdeu mais de um milhão!), pela mesma lógica daqui a cinco anos será remetido para a oposição. Mas a democracia é isso mesmo, a alternância.
Não iria tão longe como Marques Mendes, que sugere um executivo de unidade nacional, pois quem governa há quase cinquenta anos não quererá abrir mão do poder a que se habituou, nem a nomenclatura e as suas clientelas o perdoariam. Mas porque não um pacto de regime, que passe por preparar uma lei eleitoral nova e mais transparente (para as várias eleições, incluindo as autárquicas), com o apoio de governo e oposição? Aliás, observadores internacionais já recomendaram futuras mudanças na composição da Comissão Nacional Eleitoral e no Tribunal Constitucional angolano.
E porque não nomear como governadores de província quadros do partido que venceu as eleições nessas regiões do país? Que sentido faz, por exemplo, que Luanda tenha um governador do MPLA quando foi a UNITA que ganhou as eleições na província mais populosa do país, obtendo uma vitória histórica? O mesmo se diga do Zaire ou no enclave de Cabinda onde a UNITA alcançou a maior vitória do país e que garante mais de metade do orçamento nacional e 90 por cento das exportações.
Em democracia, maioria absoluta não significa poder absoluto. Se João Lourenço quiser deixar um património político na história do país, terá que se procurar entender com a oposição em diferentes matérias, até porque perdeu a maioria qualificada que tinha, necessária para alterar a constituição sozinho, mesmo que desta vez ainda tenha ganho com maioria absoluta (o que a UNITA contesta). Caso contrário pode estar a lançar as sementes da revolta e da violência.
Angola precisa de todas as energias concentradas no combate à fome e ao desemprego e num verdadeiro processo de desenvolvimento. O governo não pode ignorar aquela metade do país que votou contra ele, manifestando assim um desejo de mudança política. Bem pode João Lourenço dizer que é presidente de todos os angolanos. Mas não basta, é preciso que aja em conformidade, pois metade dos eleitores não lhe deu o seu voto. Se se confirmar a sua vitória é a ele que compete governar Angola mas não pode deixar de considerar os representantes políticos da outra metade.
Se as três maiores forças políticas com assento parlamentar, entre governo e oposição, se puderam reunir durante a campanha eleitoral para orarem juntas, num culto ecuménico com mais de 30 mil pessoas no estádio 11 de Novembro, por iniciativa do Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA), da Aliança Evangélica de Angola (AEA) e do Fórum Cristão Angolano, por que carga de água não podem agora estabelecer um pacto de regime num país em que quase metade da população vive com menos de dois euros por dia, e milhões sem emprego, saúde e educação?
Se souberam vencer em conjunto o importante desafio da paz, porque não podem agora vencer também em conjunto o da democracia e do desenvolvimento? Até porque, como escreveu o jornalista angolano João Melo: “a dinâmica democrática da sociedade angolana parece irreversível”.
* “E agora, Angola?” (em dialecto Kikongo, de Cabinda)
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