A principal confissão pentecostal brasileira é a Assembleia de Deus, que foi implantada em Belém do Pará logos nos inícios do séc. XX, pela mão de Daniel Berg e Gunnar Vingren, dois imigrantes suecos vindos dos Estados Unidos.
O pentecostalismo fez escola numa região atrasada e analfabeta, dada a vivências religiosas extáticas, esse país profundo onde pontificava o coronelismo. A pregação carismática, a prática corrente da glossolalia, os exorcismos e os dons de cura responderam assim a uma população extremamente pobre e doente, que viu na ênfase sobrenatural do pentecostalismo uma resposta para os seus problemas.
Esta confissão está hoje espalhada por todos os cantos do país, até mesmo nas favelas do Rio e São Paulo. Ainda nos anos sessenta se dizia que as placas com o nome da igreja afixadas por cima da porta ou desenhadas na parede rivalizavam em número com as da Coca-Cola.
A confissão cresceu rapidamente, embora já não disponha há muito duma unidade orgânica a nível do país, estando dividida por diversas federações regionais ou nacionais. Esse crescimento acelerado – que aliás se verifica noutros grupos religiosos – não deu tempo para consolidar devidamente um cabedal teológico, até porque o pentecostalismo cresceu sobretudo nas periferias e está estudado que o fiel assembleiano brasileiro tipo é mulher, pobre e negra.
Acresce que a política desenvolvida durante longas décadas foi no sentido de diabolizar a formação teológica dos seus pastores e obreiros, enfatizando sempre a experiência carismática como argumento de autoridade espiritual.
A cultura machista predominou na história do pentecostalismo brasileiro de tal modo que a primeira convenção de obreiros foi convocada justamente para deliberar sobre a questão de permitir ou não às mulheres o direito de poderem pregar. Nesta sequência, até Frida Vingren, a mulher de um dos fundadores deste movimento religioso, foi proibida de usar da palavra e desconsiderada, e só nestes últimos anos a sua memória tem vindo a ser reabilitada.
Mas esta questão não é exclusiva do segmento pentecostal, mas extensiva ao evangelicalismo brasileiro. A falta de formação teológica e cultural assim como a ausência de espírito crítico levaram à criação duma mentalidade de rebanho, como se um cristão não pudesse pensar pela sua cabeça, e ao arrepio do exemplo dos bereanos que no séc. I foram elogiados por Lucas no Novo Testamento: “E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Bereia; e eles, chegando lá, foram à sinagoga dos judeus. Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalónica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim” (Actos 17:10,11).
Ainda hoje quem quer levar a teologia minimamente a sério é mal visto por sectores mais conservadores deste segmento religioso, tal como antigamente os jovens eram aconselhados a não prosseguir os seus estudos, com receio de virem a perder a fé. O próprio apóstolo Paulo era um homem culto e informado. Escrevendo a Timóteo pede que lhe leve os seus livros: “Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos” (2 Timóteo 4:13). Ora, para que servirá uma fé que não se confronta com a vida e a sociedade senão para criar guetos, posturas sectárias e seitas religiosas concentracionárias?
É esta mentalidade de rebanho que tem permitido o fenómeno denominado “curral eleitoral”, isto é, que os líderes religiosos decidam o voto dos fiéis através de pressão, manipulação ou coação, dizendo-lhes em quem devem votar e abrindo o púlpito a políticos em campanha eleitoral. Foi esta mentalidade que permitiu assistir a cenas inqualificáveis, como o gesto colectivo tipicamente bolsonarista da arma, ensaiado pelos fiéis em pleno culto nas igrejas, em período eleitoral, um lugar que devia ser de paz e fraternidade.
É certo que as coisas mudaram muito nos últimos anos, mas existe ainda uma grande massa do povo evangélico que persiste na mentalidade de rebanho. Está por saber que consequências deste erro estratégico a igreja brasileira ainda virá a sofrer.
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