A contabilidade dos mortos e feridos num conflito militar é sempre relativa e muito redutora porque não conta com os feridos que acabam por morrer em consequência direta dos ferimentos sofridos durante a guerra, e muito menos conta com a vasta carga de sofrimento derivado da orfandade, viuvez e luto decorrentes dos familiares e amigos que perderam a vida.
Na I Guerra Mundial, onde pela primeira vez terão sido utilizados gases pelos alemães, muitos dos soldados que os combatiam sofreram até ao fim da vida em razão da intoxicação sofrida nas trincheiras. Mesmo em Portugal vingou o termo “esgaseado” depois de 1918, aplicado no sentido de “doido”, mas que é uma corruptela de “gaseado”, uma vez que o efeito tóxico provocava alterações no comportamento além dos malefícios para a saúde.
Depois da II Guerra Mundial os americanos tiveram que criar um sistema de aconselhamento para os militares regressados dos teatros de guerra, uma vez que vinham emocionalmente destroçados. Foi quando surgiu a atividade do counselling pela mão do Prof. Carl Rogers, frequentemente com base no campo religioso e que ainda é relevante no mundo anglo-saxónico, uma vez que os psiquiatras e psicólogos não conseguiam atender a todas as necessidades.
Podíamos falar de muitas outras guerras, como a do Vietname, que deixou um rasto de vulnerabilidades no pessoal militar com sérias consequências nos veteranos e no tecido social do pós-guerra.
A ciência tem por vezes mudado a sua posição relativamente aos efeitos nefastos que determinados produtos alimentares provocam na saúde dos consumidores, como é o caso do vinho tinto ou da sardinha, por exemplo. Já em relação ao tabaco sempre se soube que produzia efeitos nefastos na saúde, apesar de ainda no século passado a publicidade ter feito tábua rasa do facto. O mesmo se pode dizer quanto à guerra, Só produz morte, destruição, desemprego, fome, atropelos aos direitos humanos e muita miséria física, mental, moral e espiritual.
A invasão russa da Ucrânia deu origem porventura à primeira guerra no mundo globalizado, estando presente constantemente nas televisões, todos os dias de manhã à noite, tendo apanhado a humanidade numa cascata de desgraças que se iniciaram com a chamada crise do subprime. Passou a uma crise económica bastante grave, à qual se seguiu uma pandemia (Covid-19) como não se verificava no mundo desde há cem anos e agora temos uma guerra em plena Europa. O cansaço instala-se.
Se todas as guerras são estúpidas esta ainda mais pois resulta do delírio de um ditador louco que soube tecer à sua volta um sistema que julga mantê-lo impune. Partindo do pressuposto de que o povo russo alimenta saudosismo do império soviético, que não é talhado para a democracia e prefere líderes autoritários, tem vindo a mandar assassinar opositores políticos e jornalistas desafetos, tanto no território russo como no estrangeiro, seguindo o modelo de Estaline que mandou matar Trotsky no México em 1940. Apostou na divisão dos europeus e na sua dependência energética do petróleo, gás e carvão que lhes vende. Tem financiado partidos de extrema-direita que querem destruir o projeto europeu e interferiu nos sufrágios que levaram Trump ao poder e originaram o Brexit.
A professora Ângela Maia, da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, especialista em trauma, dizia-nos há dias que se recusa a acompanhar os serviços de notícias nas televisões a fim de salvaguardar a sua boa saúde mental. Sabe-se que houve trabalhadores das ONG’s a operar no Ruanda, durante a guerra civil que ficaram tão perturbados com a carnificina presenciada que acabaram por se suicidar. Estes fortes impactos emocionais têm efeitos e o seu prolongamento no tempo consolida-os e agrava-os.
Há portugueses que estão a sofrer de insónias, dificuldade de concentração, taquicardia, impotência, frustração, problemas gastrointestinais, medo, culpa e quebra de produtividade, em função da ansiedade provocada pelos fluxos noticiosos do conflito. Marta Rebelo, em artigo de opinião na VISÃO, refere a Headline Stress Disorder como sendo o excesso de informação sobre a guerra na Ucrânia que prejudica a saúde mental desta forma: “Sempre à procura de ameaças, o cérebro concentra-nos nos factos e informações negativas, pesadas, stressantes, no doomscrolling: a guerra é terreno fértil para as nossas arqui-inimigas incerteza e imprevisibilidade e, na procura de algum (falso) controlo, fixamo-nos na monotorização das notícias.”
Ora, nestas circunstâncias vem ao de cima o sentimento de impotência para fazer algo que faça parar a guerra, do que resulta culpabilidade de seguir com a nossa vida confortável “quando os ucranianos mal sobrevivem”. É então que se instala a ansiedade, a depressão e eventualmente mesmo o stress pós-traumático.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.