Aprender, aprender, aprender sempre! Já dizia o Lenine, essa velha múmia. Hoje, sexta-feira, dia em que a Academia de Hollywood reúne “de emergência” sobre a chapada de Will Smith a Chris Rock, aprendi um conceito novo que dá pelo nome de ‘telegonia’. É a teoria, até agora alegadamente demonstrada apenas em moscas da fruta, de que traços de um parceiro podem ser transmitidos ao filho concebido por outro. Para os que acreditam que isto sucede também com humanos, significa que posso ter uma data de crianças com a minha cara por aí, mas apenas porque conheci biblicamente as mães deles numa outra altura qualquer que não nove meses antes de nascerem. Se vos parecer ao lerem isto que a telegonia é uma teoria para pessoas avariadas da pinha, não negarei que tive a mesma reação e que ela me parece, aliás, bastante justificada.
Quem foi acusada de defender a telegonia foi uma política russa de 40 anos, pró-vida e com sete filhos, de seu nome Anna Kuznetsova. Atualmente deputada da Duma, protegida por Putin apesar de envolvida ao longo do seu percurso em polémicas várias que vão desde a violência doméstica à excisão genital passando pela retirada de crianças das suas casas pelo Estado, esta Anna Kuznetsova tem 15 anos mais do que a sua homónima esta semana entrevistada para o jornal ‘A Voz do Operário’.
Com apenas 25 anos, a nova Kuznetsova – cuja imagem não nos é apresentada nesta entrevista ao jornal fundado em 1879 pelos operários manipuladores do tabaco mas que hoje pertence nitidamente ao PCP – surge alegadamente como “professora de russo numa escola técnica de Donetsk”. “Anna prefere não dar a cara porque teme represálias contra familiares que estão do outro lado da linha da frente”, explica-nos a legenda de uma ilustração debaixo do título “Batalhões nazis aterrorizaram a população”. “Confio nas informações oficiais do nosso Ministério da Segurança do Estado” diz a certa altura a jovem russa Kuznetsova, de cuja identidade e existência dou por mim a duvidar, levado pelo cepticismo que é um dos meus muitos defeitos.
Pouso o jornal a ‘Voz do Operário’ e retomo a leitura do novo livro de Nuno Gonçalo Poças sobre ‘O Fenómeno Marcelino da Mata. O herói, o vilão e a História’. Fala dessas outras guerras que foram nossas e que agora, em torno da figura deste negro guineense, o soldado mais condecorado do exército português, regressam nestas páginas para questionar o presente com o passado. Como escreve o Nuno: “Marcelino tornar-se-ia, sobretudo após a sua morte, um símbolo político, de ódios, paixões e reacções exacerbadas”.
“Apanhámos o gajo, despimos-lhe a farda, fizemos-lhe a mesma coisa que ele fez aos tais soldados brancos, nós fizemos a mesma coisa” recorda com toda a frieza o comando Marcelino. É assim desde a Bíblia: “Darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. Não há bons e maus. Na guerra somos todos maus. Os soldados bons são os que matam melhor e conseguem voltar para casa, inteiros ou em parte. Marcelino, esse, ficou sem casa mas conseguiu fugir para Portugal e só morreu aos 80. Inteiro.
Pouso o livro do Nuno e regresso às redes. O mundo deverá saber hoje qual o castigo imposto a Will Smith (não sei ainda, escrevo de véspera). A oeste uma estalada, a leste corpos minados. O contraste mediático é evidente. Na cidade de Bucha continua a contagem que ultrapassa já os 300 mortos civis, muitos deles executados. Os cadáveres, sempre suspeitos de estarem armadilhados pelos russos para dificultar a remoção, são fotografados, filmados, entram-nos pelos olhos adentro nas alturas mais impróprias. Escolhemos ver ou não ver as persistentes imagens do horror. A nossa vida prossegue. É preciso que mantenhamos a forma; Mente sã, apesar das Kuznetsovas. Corpo são apesar das sovas (e das chapadas). Parafraseando Kafka, “a guerra continua. À tarde, ginásio”.
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