Luís Montenegro, candidato à presidência do PSD, deu uma esclarecedora entrevista à SIC, onde ficaram bem patentes as suas qualidades – e também explícitas o que podem ser as suas fragilidades. Independentemente do juízo de valor que se possa fazer da viragem à direita que o PSD operará, na eventualidade da sua ascensão à liderança, o fator humano, a personalidade e o estilo são determinantes na avaliação que podemos ensaiar sobre as suas hipóteses, do ponto de vista da afirmação de um projeto com recetividade na sociedade portuguesa.
A sua intervenção decorreu pouco antes de uma entrevista paralela, concedida poucos minutos depois, por Nuno Morais Sarmento a Vítor Gonçalves, na RTP. De uma certa forma, o ex-ministro de Durão Barroso replicou uma duvidosa “tirada” recente do presidente do Sporting, quando Frederico Varandas fez alusão ao “clube de malucos” a que preside. Relativamente ao PSD, Morais Sarmento optou pela imagem da “gaiola das malucas”, acrescentando, depois, que o partido não pode ser um permanente “saco de gatos”. E um dos supostos gatos acabava de apresentar a sua candidatura, num canal ao lado…
Definidas as posições, a do challenger que desafia Rui Rio e a das hostes próximas deste, que acusam os contestatários de formarem um saco de gatos, o PSD parte para a nova legislatura com a necessidade premente de uma clarificação, adiada desde que, há um ano, Rui Rio conseguiu, numa reunião do Conselho Nacional do PSD, a moção de confiança que manteve a paz podre, até às eleições.
Quem é Luís Montenegro e o que pode trazer de novo ao PSD? Montenegro vive, para já, da imagem construída como líder parlamentar do PSD, durante o consulado de Passos Coelho. Alinhado ao milímetro com o antigo líder, Montenegro sofre do handicap negativo de ser visto como uma cópia de Passos. Muitos dos seus apoiantes suspiram pelo regresso do querido líder e toleram Montenegro como uma segunda escolha viável, um prémio de consolação. A autoconsciência dessa fragilidade ficou bem patente, quando o candidato à presidência “laranja” sentiu necessidade de dizer que tem “vida própria” e que não é Passos Coelho nem outro qualquer: “ O meu nome é Luís Filipe Montenegro!”, proferiu, como que apresentando-se ao País.
A entrevista é de uma clareza meridiana: o PSD deve ser um partido de centro e de centro-direita. Não estará aberto a entendimentos com o PS, por António Costa ter escolhido, há muito tempo, os seus próprios parceiros à esquerda. Não deve ser mais do mesmo, colocando-se ao centro-esquerda ou à esquerda, campo já ocupado e maioritário no Parlamento. Sem o dizer com estas palavras, o PSD de Montenegro é um partido neo-liberal, reformista no sentido do laissez faire, aglutinador da direita, mas não radical – descartou entendimentos com o Chega. Com o PSD de Luís Montenegro, a moderação no diálogo com o PS, para facilitar a estabilidade ou para encontrar soluções que vão além de uma legislatura, está automaticamente afastada.
No canal ao lado, Morais Sarmento lembrava que Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto líder do PSD, viabilizou três orçamentos de António Guterres e ninguém o acusou de estar feito com o PS. Podia ter acrescentado que, nessa altura, ambos os partidos remavam no mesmo sentido, o da adesão à zona euro, cujo acesso estava longe de ser favas contadas para Portugal… Mas Morais Sarmento acrescentou mais: o PSD deve contribuir para reformas estruturais, trazendo o PS para entendimentos que vigorem para lá de uma legislatura, em áreas como a Educação, a Saúde ou a Segurança Social. Nada disto interessa a Luís Montenegro, que explicou ser favorável a que o PSD se apresente aos portugueses com o seu próprio projeto reformista.
Uma das qualidades de Luís Montenegro é a capacidade de responder diretamente, sem hesitar nem fugir às questões e com um discurso nada redondo. Outra, a imagem e a facilidade de comunicação o que, para um líder político, não é pequena coisa. Mas a sua principal fragilidade é a de ser a cara do “governo da troika”, cuja penalização eleitoral se concentrou, a 6 de outubro, em Assunção Cristas, o único rosto no ativo que vem desse governo e a única líder que fez oposição como Montenegro faria…
Luís Montenegro evocou o resultado de Santana Lopes, em 2005, um pouco superior, até, ao de Rui Rio este ano. E, numa arrevesada argumentação, que inverte a lógica das coisas, sustentou que, tendo o PS, em 2005, conseguido uma maioria absoluta, e tendo-a falhado agora, significa que Rui Rio não conseguiu atrair os votos dos eleitores que não queriam a maioria do PS. Isto é completamente falacioso: o que sucedeu foi que, aparentemente, e guiando-nos apenas pela evolução das sondagens, Rui Rio, pelo contrário, e ao invés de Santana, conseguiu atrair os votos suficientes para impedir a maioria absoluta do PS! Fê-lo, ainda por cima, em condições totalmente adversas, quer pelas circunstâncias externas favoráveis ao desempenho económico do País, na legislatura cessante, quer pela dinâmica das sondagens, desmobilizadoras do eleitorado social-democrata, quer pelo boicote de que foi vítima dentro do seu próprio partido (também por culpas próprias, conceda-se). Sejamos claros: alguém minimamente realista acha que o PSD podia ganhar estas eleições?…
Dir-se-á que a imagem colada de Montenegro ao Governo da troika não significa, necessariamente, que não possa ter sucesso a convencer os portugueses; ou que atribuir o insucesso eleitoral de Assunção Cristas à sua identificação com o Governo anterior não faz sentido, porque, afinal, em 2015, foi a PàF de Passos Coelho, de Montenegro e de Cristas quem ganhou as eleições, sendo que Cristas até teve um bom desempenho posterior, nas autárquicas de 2017. Só que, em 2015, com o clima de medo e incerteza que ainda se sentia, o eleitorado desconfiava da mudança à esquerda. E ainda não tinha experimentado uma solução alternativa. Mal ou bem, a perceção maioritária é, agora, na comparação com o anterior, favorável à geringonça – como comprovam os resultados eleitorais. Dir-se-ia, portanto, que o descontentamento generalizado com o governo de Passos é retrospetivo. E disso já sofreu o próprio Passos Coelho, nas autárquicas de 2017, aliás decorridas depois dos incêndios de Pedrogão, em junho desse ano. Então, era Passos o pára-raios do tal descontentamento retrospetivo, o que terá beneficiado Assunção Cristas que, nessa altura, parecia ter virado a página…
Apesar do que aqui fica dito, uma conjuntura económica mais desfavorável., um aumento dos juros da dívida – como trambém alertou Morais Sarmento – ou um abrandamento económico que faça disparar o desemprego outra vez, pode beneficiar mais um PSD liderado por Luís Montenegro. O fim da paz social, por via de maior agitação sindical, também pode fazer do PCP, ironicamente, um aliado objetivo de Montenegro. Mas nada indica que tudo isto não possa beneficiar, igualmente, o mesmo PSD, liderado por Rui Rio. Em, todo o caso, o antigo líder parlamentar depende mais do diabo do que o ex-presidente da Câmara do Porto…
Embora tendo tudo isto claro, é verdade que Luís Montenegro é a garantia de mais músculo na oposição a António Costa. E é também garantia de maior mobilização, energia e força anímica das bases “laranja”. O que, feito com contenção e sem radicalismo, pode render, a prazo. Mas as coisas são como são – e Luís Montenegro parte fragilizado pelo seu envolvimento no caso das viagens ao euro 2016. Na entrevista, Montenegro disse aquilo que outros, antes dele – e sem comparar, aqui, a natureza dos respetivos processos… – disseram, de Carlos Cruz a José Sócrates: “Tenho a certeza de que estou inocente e de que nunca serei condenado”. Em consonância, a condição de arguido em nada diminui a sua capacidade de intervenção cívica. Ou seja, continuará como líder do PSD. Dá a ideia que Montenegro manda um recado ao Ministério Público (MP): se estão a pensar em usar o processo para me inibir nesta candidatura, ou depois dela, podem tirar o cavalinho da chuva. Em todo o caso, é gritante a contradição: o PSD tem reclamado, sistematicamente, a demissão de titulares de cargos públicos quando são constituídos arguidos – ou mesmo antes disso. E vários secretários de Estado tiveram de se demitir. Em que ficamos? Entretanto, qualquer passo do MP, a partir de agora, no sentido de acusar Luís Montenegro, não deixará de ter imediatas leituras sobre a agenda política do Ministério Público e sobre a substituição, pelo Governo, com o beneplácito do Presidente da República, de Joana Marques Vidal por Lucília Gago. Ora, num caso destes, e em coerência com as suas posições relativamente à Justiça, Rui Rio não poderia deixar de defender, com unhas e dentes, o homem que quer tirar-lhe o lugar.