1 . Colocar em causa a nomeação de uma juíza do Tribunal Constitucional só porque é filha de um antigo deputado é o sinal máximo do nível de esquizofrenia a que chegou o tema dos familiares nomeados para cargos políticos. Comparável, aliás, ao caso do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, por ser filho de um antigo dirigente do PS que foi empossado ministro em… 1995! Por este andar, no futuro, nenhum parente de nenhum político, até à sétima geração, poderá exercer, em nenhum momento, um cargo público. No limite, também lhe estará vedada qualquer carreira no setor privado por não faltar quem suspeite de que só lá chegou “por ser familiar de quem é…”
O argumentário, neste momento, baseia-se no cuspo para o ar. Por exemplo, Cavaco Silva, depois de “muito verificar”, nao encontrou “nenhum caso” de membros da mesma família a ocupar lugares em governos seus. Nem alguns dos ministros mais mediáticos do seu consulado, como, por exemplo, Leonor Beleza ou Miguel Beleza. Ou Durão Barroso e Diamantino Durão. Nem os casos de swing com a esposa de Marques Mendes a trabalhar no gabinete de Álvaro Amaro e a esposa de Álvaro Amaro a trabalhar no gabinete de Marques Mendes…
Não vamos por aí. O «quem diz é quem é» é a discussão política ao nível do pré-primário. E todos os casos são diferentes: os irmãos Beleza tinham carreiras profissionais, curriculares ou académicas, que falavam por si – e falavam por eles. Tal como os Cravinho, pai e filho.
Colocar tudo no mesmo saco e tratar todos os casos por igual só favorece os prevaricadores, por descredibilizar a crítica e o escrutínio. Aliás, disso bem se aproveitou António Costa, ao misturar todos os casos, na sua intervenção desta semana, no Parlamento, para se refugiar no pedido de debate legislativo sobre o tema. Uma manobra dilatória de advogado e nada mais do que isso. Exatamente por não haver distinção, nem política, nem mediática entre os diferentes casos, e por total desonestidade intelectual dos vários agentes interessados, é que o tema já não se aguenta – e, possivelmente, não vai dar em nada. Exemplar foi o caso do secretário de Estado que se demitiu, mas só quando o parentesco com o seu adjunto foi revelado. Não lhe ocorreu tomar medidas antes. O ministro elogiou-lhe a “generosidade” de ter saído imediatamente. Ora, elogiar alguém que assume a sua culpa quando é apanhado em flagrante é uma… Generosidade.
2. O tribunal da Relação do Porto já nos habituou aos acórdãos mais bizarros da jurisprudência nacional. Desta vez, reconheceu razão a uma companhia de seguros que se recusou a assumir o seguro de vida de um cliente que morreu com um nível de alcoolemia no sangue considerado elevado. O homem entrou num café, pediu um bagaço, desequilibrou-se, caíu, bateu com a cabeça e finou-se. A autópsia acusou o facto de estar alcoolizado. E a companhia recusou assumir o seguro da dívida da hipoteca, que a viúva pretendeu acionar. Ao que parece, o contrato previa, nas letrinhas miúdas, que um nível de alcoolemia acima dos 0,5 por litro tornaria nulo o contrato. Mas será que o homem morreu num acidente de viação? Não. Estava a pé. Entrou num café e caíu de bêbado. Andei à procura, e não encontrei qualquer lei que estabeleça um limite de alcoolemia a um cidadão que esteja num bar a a emborrachar-se metodicamente. Ou seja: ninguém está proibido de se embriagar. A norma da seguradora extravasa, portanto, a lei do País.
Este caso é anedótico mas abre um precedente perigoso. Não tarda nada, as companhias recusarão pagar os seguros de vida a quem morrer de enfarte, porque costumava consumir toucinho. Ou a alguém que se tornou diabético, porque não tinha nada que andar a comer doces. Haverá cláusulas em corpo 5 a dizer que ficam vedados ao segurado o consumo de carnes vermelhas, de peixe, por causa dos níveis de mercúrio, de toda e qualquer matéria gorda, de refrigerantes, de fritos, de enchidos – ou de verduras, por causa da exposição aos pesticidas. E os vegan que não se fiquem a rir, pois também podem ser excluídos por arriscarem uma alimentação alegadamente pobre em proteínas. O policiamento do consumo e a ideologia alimentícia começam a fazer as primeiras vítimas. E como todas as mortes têm uma causa atribuível ao morto, nem que seja a sua provecta idade, em breve os seguros de vida não se responsablizarão por quem… perder a vida. Palmas, meretíssimo juiz da Relação do Porto. Aproveite bem o futuro ordenado, acima do do primeiro-ministro… mas não o gaste em vinho!
3. Tenho ouvido da boca do ministro da Educação uma expressão que ele terá inventado e que usa prolixamente em todas as suas intervenções públicas: “Comunidades educativas”. Esmiuçando a coisa, chega-se à conclusão de que, com aquele estribilho, o homem quer dizer “escolas”. Mas o termo “escolas”, ou “escola”, eh pá, custa-lhe, não lhe sai! E lá vem com aquela, de novo, todo contente de si próprio: “Comunidade educativa!”. E uma pessoa parte-se a rir. Comunidade educativa! Mas quem é que lhe disse, senhor ministro, que queremos fazer parte de uma “comunidade” imposta, ainda por cima, “educativa”, ou que um tipo, mesmo que seja pai, é obrigado a ter “sentido comunitário”?! Uma pessoa quer é que o seu filho vá à escola e aprenda, logo à cabeça, a ler, escrever e contar! Mas que raio quererá dizer, ao certo, “comunidade educativa”? Talvez ele queria incluir nessa entidade politicamente correta os professores, os alunos, os auxiliares (perdão, “técnicos de ação educativa”…), o próprio espaço físico, o espaço envolvente, o bairro, os vizinhos, os pais, o cão, o gato e o periquito. E eu digo: «Nã, nããã! É de mais! Não se aguenta! Eu gosto de coisas simples: ESCOLA!» Não custa muito: E-S-C-O-L-A. Chega assim, ok? Eu não quero fazer parte de comunidade educativa nenhuma. Os pais mandam os filhos à escola, a escola que faça o seu trabalho. Não me peçam que faça o trabalho dela. Querem um exemplo? Os TPC foram sendo cada vez mais complicados porque se sabe que, assim, os pais são obrigados a “envolver-se”. Fingir que isso não acontece e que são os meninos a fazer certos trabalhos de casa sozinhos é uma hipocrisia. Ora, este é um dos principais fatores de desigualdade entre os alunos: os que tiverem pais com a pachorra e a competência para alinhar no embuste estarão em vantagem sobre os que não tiverem essa sorte. Ao mesmo tempo, a escola está a estabelecer, unilateralmente, o programa de tempos livres da família. Espera, já percebemos: chama-se a isto “comunidade educativa”. Não queremos. Com a mania do envolvimento das famílias na escola, seja através dos TPC, seja por outras iniciativas, festinhas, teatrinhos, reuniões e “participação” avulsa das famílias em tudo o que mexe criou-se uma potencial desigualdade entre os alunos que não existia antes. É que há alunos que não têm famílias para isso! Mais: tantos TPC justificavam-se quando tínhamos aulas só de manhã ou só de tarde. Hoje em dia, o período das nove às cinco é tempo mais do que suficiente para que uma escola competente faça todo o trabalho curricular. O resto do tempo é para brincar, para estar com a família ou com os amigos – ou mesmo na playstation – e para fazer o que nos dá na real gana. Não queremos ver a escola diluída numa modernice estúpida chamada “comunidade educativa”. As crianças vão para a escola, não vão para a “comunidade educativa”. E, ao fim do dia, voltam para casa. Estamos entendidos?