1. O chamado Processo Marquês queimou mais uma e decisiva etapa. Para não repetir o que toda a gente já disse, sublinharia, em poucas palavras, alguns aspetos que, na minha opinião, ainda sobram e que são relevantes.
Primeiro: há quem diga que o que vai a julgamento é, na verdade, o regime, ou uma parte do regime em que vivemos nas últimas décadas. Ora, se pensarmos em processos como os “ballet rose”, dos anos 60, em pleno salazarismo, para citar apenas um que transpirou para a opinião pública, devemos reconhecer que o nosso regime democrático respira saúde e dá sinais de ter capacidade de regeneração: ao contrário de outros regimes – e de outros tempos – é hoje possível que um caso como este vá a julgamento. Independentemente do resultado, isso faz toda diferença.
Segundo: por falta de maturidade democrática que ainda caracteriza os portugueses, não existe um debate sério sobre o que está em causa. Por isso, José Sócrates será sempre culpado para quem não gosta dele, pessoal ou politicamente – e são inúmeros, como se vê pela tropa de choque montada nas redes sociais… – ainda que o Ministério Público, por absurdo, viesse a reconhecer que montou uma conspiração. E será sempre inocente para quem o adora – e são muiitos, como se vê pela tropa de choque também já montada nas redes sociais… – mesmo que seja apanhado a roubar a carteira a uma velhinha. É por isso que este caso, que poderia ser, em sociedades mais maduras, entregue a um júri, jamais poderia sê-lo entre nós: os jurados dividir-se-iam sempre entre dois preconceitos opostos, e nada do que pudesse ser provado pela acusação, ou desmontado pela defesa, em tribunal, os faria mudar de opinião.
Terceiro: os jornalistas são os culpados de todos os males que atingem Sócrates. E apesar de terem denunciado outros casos que incomodavam esferas pollíticas diferentes – o BPN, os submarinos, a casa da Coelha e as ações da SLN, o Portucale, os vistos Gold ou a lista VIP – os jornalistas só existem para cumprir a agenda do Ministério Público, a soldo de uma conspiração de direita. Ora, lamento, mas este caso não é político, mas de delito comum.
Quarto: do que já é possível conhecer da acusação, as alegações estão bem enquadradas, explicadas e verosímeis. Mas a maior parte baseia-se em suposições lógicas e não em factos demonstrados. É verdade que nem sempre o julgamento de um coletivo de juízes se baseia apenas na prova material, para produzir uma sentença. Tanto ou mais importante, para além da qualidade dos testemunhos, é a convicção que o Tribunal possa formular. Olhando para o que sabemos, cada um terá a sua convicção, avaliando o grau de plausibilidade das alegações da acusação e da defesa. Perante os crimes de que é acusado, as explicações de Sócrates fazem sentido, têm pés e cabeça? Ou não têm? A vice versa também é verdadeira. E ainda que, em tribunal, o ónus da prova pertença à acusação, a opinião pública terá os elementos para perceber tudo.
Quinto: pelo menos o crime de fraude fiscal ficará, alegadamente, demonstrado nesta acusação. Nem que seja pelas doações em dinheiro não declaradas de Carlos Santos Silva a José Sócrates. Mas, se for só isso, a montanha pariu um rato – do campo, que são mais pequenos.
Sexto: outras alegações, como associar o RERT (programa de recuperação de fugas de capital mediate perdão fiscal) aos interesses particulares do ex-primeiro-ministro – e este é apenas um exemplo – sofrem de um grau de fragilidade periogoso, porque induz a pensar que outras alegações também podem ter o mesmo fraco fundamento. O programa RERT terá sido decidido em coletivo, no Conselho de Ministros, e deve ter lá a assinatura do ministro das Finanças, por exemplo. Estas pessoas estavam conluiadas com Sócrates? Tantas e tão diferentes pessoas? E o que ganharam como isso? Porque não foram tamém acusadas? A aguardar melhor fundamentação…
Sétimo: o processo vai durar anos. É possível que alguns envolvidos, entre réus, causídicos, magistrados e investigadores se reformem ou morram antes que ele chegue ao fim. E é inquietante pensar que consequências pode isto ter, para a nossa vida coletiva, nos próximos anos.
2. Com dois candidatos à liderança do PSD, no terreno, é possível, numa frase, avançar uma primeira impressão: Rui Rio, mais cerebral, estruturado e pragmático, terá para apresentar um programa bem elaborado, apontando uma direção política e ideológica e um pacote de medidas e de novas bandeiras para a sua liderança de oposição. Pedro Santana Lopes, mais emocional e intuitivo, vai à liça com uma única mensagem clara, expressa com arte no seu programa da SIC: “O dr. António Costa que me perdoe, mas, em 2019, vou ganhar-lhe as eleições”. Esta confiança vale muitos programas “estruturados” e deve bastar aos crentes militantes do PSD – se bem os conhecemos. É só isto que eles querem ouvir. Se as diretas tiverem uma dose apenas residual de caciquismo, para mim, à partida, Santana é favorito. Mas, até lá…
3. O recuo dramático do PCP na margem sul do Tejo, nas últimas autárquicas, é-nos explicado por uma elementar lição de História do comunismo. Foi Marx, mas mais concretamente Lenine, quem definiram que uma sociedade agrária, tecnologica, cultural e economicamente atrasada não estava preparada para o comunismo. Por isso, quando Marx elaborou as suas teorias, estava a pensar na Alemanha. Por algum motivo elas vingaram, em vez disso, na “medieval” Rússia. E Lenine decretou, então, que haveria fases intermédias no avanço histórico, antes de uma efetiva e plena ditadura do proletariado, até a Rússia estar preparada. Por outras palavras, até chegar ao nível da Alemanha: com povos mais evoluídos, mais instruídos e mais ricos. O grande problema é que, quando os povos começam a ficar mais “isso tudo”, aburguesam-se. E deixam de precisar da ditadura do proletariado. Até porque deixa de existir proletariado… Foi por isso que o marxismo não se impôs nos países avançados do Ocidente – e deixou de se impôr a Leste, quando as condições económicas de mercado e as inovações tecnológicas, como os meios de comunicação modernos e a internet, possibilitaram um avanço no nível de vida das pessoas. A margem sul, que conhecemos, no passado, como uma zona proletária, evoluiu exponencialmente, nos últimos anos. O nível de vida melhorou – sobretudo nos últimos três anos. Há mais emprego, muito mais consumo e uma miríade de empresas que pagam salários razoáveis e gravitam à volta da… Autoeuropa! E quem mora na margem sul conhece muitos habituais eleitores da CDU que ficaram zangados e assustados com os últimos acontecimentos naquela empresa. Voilá?…