O que são os superiores interesses do País? Os que Cavaco Silva defende ou os que o PCP defende? O que eu defendo ou o que o leitor defende? Quem define quais são os superiores interesses de Portugal? Será do interesse do País romper com os compromissos internacionais ou mantê-los? Cumprir o Tratrado Orçamental, ou roer a corda? Manter-se na NATO ou sair? O Presidente da República foi taxativo: «Não me arrependo de uma linha», disse, em Roma, reiterando, assim, o discurso proferido na comunicação em que anunciou a indigitação de Pedro Passos Coelho para primeiro-ministro. Obviamente, ninguém contestou a indigitação de Passos Coelho, que era lógica, natural e justa. E foram poucos os que contestaram o facto de o Presidente não ter visto qualquer «alternativa consistente». Realmente, o que os portugueses, e ele próprio, tinham era a palavra de três líderes partidários, António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, baseada num alegado compromisso firmado à esquerda. E onde está esse compromisso? Quem o assinou? Que conteúdo lá vem? Por quanto tempo vigora? Cavaco não viu nada disso – e eu, até agora (quinta-feira, 29 de outubro) também não. O leitor viu? Nicles batatóides.
O que se contesta a Cavaco, isso sim, é a argumentação pobre que se segue à decisão. Quem o ouvisse, diria que nem morto ele alguma vez indigitará António Costa. E, no entanto, tudo leva a crer que vai ter de indigitar mesmo. Que cara vai apresentar na tomada de posse de tal Governo? Como será a coabitação até chegar o próximo presidente? Que bloqueios surgirão, até que ponto a guerrilha institucional afetará os negócios nacionais?
Cavaco justifica o veto dado ao PCP e ao Bloco, como partidos que podem ascender ao Governo, com o facto de estes defenderem a quebra de compromissos internacionais – e o mais sensível, de momento, é o Tratado Orçamental e as consequências que daí podem advir, em termos de reação dos mercados, por exemplo. Trata-se de um preconceito, por um lado, e de falta de cultura democtrática, pelo outro. Um preconceito porque, pelo facto de certos partidos defenderem determinados programas, não quer dizer que deles não possam abdicar, durante um certo período, para chegar a um entendimento que garanta estabilidade ao País. E falta de cultura democrática, porque, quem define se devemos, ou não, continuar a ser fiéis aos compromissos internacionais, não é o Presidente da República, mas os eleitores. E o Governo que os eleitores elegem. O PR não jurou cumprir e fazer cumprir o Tratado Orçamental, nem a participação na NATO, mas sim a Constituição da República Portuguesa. É preciso fazer um desenho?
Há outra discussão bem diferente: saber qual foi a vontade real do eleitorado. Já aqui defendi que o eleitorado não votou à esquerda, mas ao centro. Isto é, votou, em mais de 70%, nos partidos que têm programas similares em questões fundamentais, Tratado Orçamental, NATO e euro incluídos. Do meu ponto de vista, que parece ser coincidente com o do Presidente, António Costa, ao dar preferência a entendimentos com a extrema esquerda, está a fazer uma interpretação errada da vontade dos eleitores, dos seus eleitores incluídos. Mas não está a fazer mais do que outros partidos, democráticos mas conservadores, fizeram, em muitos países europeus, quando se coligaram a grupos de extrema direita – e ninguém disse nada! E não acabou de ser eleito, na Polónia, um Governo eurocético?… Será que os mercados estão nervosos com isso?… Quem determina estas coisas são os resultados eleitorais. Se António Costa estiver enganado, como aqui defendo, o PS vai sentir isso na pele nas próximas eleições. E é muito bem feito. Mas isso é outra discussão!
A argumentação do Presidente é pobre, ainda, noutro sentido. Ao invocar os «superiores interesses do País», que jura defender, usa um princípio de autoridade inadmissível. Bastaria uma formulação diferente, para que a afirmação fosse aceitável: «Defendo o que EU CONSIDERO, ou O PRESIDENTE CONSIDERA serem os superiores interesses do País». Seria legítimo: se o Presidente da República é eleito por sufrágio direto e universal, com mais de 50% dos votos, está mandatado, popular e democraticamente, para fazer a sua própria interpretação do que são os interesses nacionais e agir em conformidade. Mesmo que isso desagrade a maiorias parlamentares circunstanciais. Mas Cavaco, no seu tom professoral de cátedra, ignora três princípios fundamentais da política moderna: explicar, explicar e explicar. E, aqui para nós, a humildade também nunca foi o seu forte.