Se, no final de 2013, pudermos eleger a palavra do ano, o termo “resgate” é candidato. Consultemos o dicionário da Porto Editora: “Resgate: soma paga para a libertação de uma pessoa. Remissão a dinheiro de mercadorias cativas ou empenhadas. Redenção. Liberdade.” Libertação, redenção e liberdade são conceitos agradáveis. Se os políticos nos prometem um segundo resgate, devíamos ficar contentes. E porque é que não ficamos? Porque a tradição, e as palavras, já não são o que eram. Por exemplo, o termo “irrevogável”, outro dos candidatos a palavra do ano, deu o que deu.
Mergulhado em campanha eleitoral, “que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar”, como disse Salazar, no seu discurso de tomada de posse, como ministro das Finanças, em 1928. Neste caso, quem manda são os mercados. Que o País lhes obedeça, portanto, como acaba de exigir o presidente do BCE: “Se Portugal pedir um alargamento da meta do défice, a reação dos mercados pode ser brutal”, disse um Mário Draghi mais medroso do que ameaçador. Uma confissão de submissão e cobardia de que a Europa devia envergonhar-se. É a democracia refém dos mercados, sem ter quem a resgate.
Será que o País não produz riqueza, nem há impostos, para pagar as suas despesas? A resposta é: sim. O problema é que todo o dinheiro vai para juros da dívida, contratos swap, PPP’s e BPN. Sem estes cancros, teríamos dinheiro para pagar as despesas correntes, e, até, para promover o crescimento, sem necessidade de resgates. Não é por termos pensões altas – porque elas são baixas – um bom SNS ou leis de proteção ao trabalho que estamos como estamos. É por isso que a narrativa da “falta de dinheiro para salários e pensões” é tão tóxica como um produto derivado. Mas é com esse argumento que o Governo chantageia os portugueses e o PS lava as mãos, apontando para o parceiro do lado. Coitadinho do crocodilo, como na fábula…
Os observadores internacionais não relevam os excessos da campanha e tomam tudo à letra – e os juros não abrandam. Uma espécie de loucura perpassa pela classe política, que não sabe o que sucederá no day after das eleições locais: uma revolução de independentes? Demissões na oposição? Razia na coligação? Cada responsável defende uma tese diferente. Marco António Costa, agora fora do Governo e responsável pelo PSD, faz de polícia bom, criticando o FMI. Ele, Pires de Lima (ministro da Economia) e Paulo Portas estrebucham, anunciando a boa nova da recuperação da Economia. Mas algo, neste discurso, não joga bem com a alta dos juros e a impossibilidade de Portugal voltar aos mercados, como estava previsto. Se estamos a recuperar, porque não confiam em nós?
Eu digo-vos porque não confiam em nós. Portugal é um peão, numa guerra mais vasta, que implica a morte do euro. Eles não querem, realmente, que recuperemos. Aumento de exportações, mais consumo interno, alívio do IVA para a restauração, abrandamento do desemprego – são más notícias para os especuladores. Não é com estas coisas que eles ganham dinheiro. Só com o 1.° resgate, a troika já ganhou – já nos levou – em juros e comissões, 1 500 milhões de euros. Se o leitor fosse a troika, não desejaria um segundo resgate? Pois é. E a este primeiro-ministro, resta obedecer, quando à troika chegar a hora de mandar.