A vizinha já ouviu? Diz que elogiaram muito o Costa lá fora. Num jornal estrangeiro disseram que ele foi um lindo menino, que se portou muito bem. Que até está a fazer ver aos doutores lá de fora. Parece que na Alemanha têm inveja do Costa, porque a economia deles vai começar a andar para trás enquanto nós cá estamos muito bem. Cá para mim ainda vamos ter de ser nós a pagar o atraso dos alemães, que são uma gente que gosta de viver acima das suas possibilidades. Calões. A Europa deve ter dado uma volta qualquer, porque agora a cauda está na frente e a frente está na cauda. É capaz de ter sido uma cólica, ou assim. Diga, vizinha? Como é que eu estou a par das notícias de economia? Não lhe parece plausível que uma pessoa que fala como eu tenha conhecimento do que se escreve no Financial Times? Mas olhe que é plausível, na medida em que eu leio toda a imprensa cor-de-rosa, vizinha. Vê? Não torne a pôr em causa a minha credibilidade enquanto personagem de ficção. Sou uma popular que lê o Financial Times, o que também acaba por demonstrar o progresso que o Governo do Costa
veio trazer a todos nós.
De maneiras que o Financial Times disse muito bem de um Governo do PS apoiado pelo PCP e pelo Bloco. Acho que o livro do Apocalipse fala nisto. Parece que vem aí o fim do mundo, vizinha. Logo agora que a nossa economia estava óptima. O jornal diz que as perspectivas animadoras de Portugal são uma esperança para o resto da Europa. E são, vizinha.
A gente aqui não sabe a sorte que tem. Quem tenha saúde e não precise de ir ao hospital, já se tenha livrado do sistema de ensino, não use os transportes públicos, não tenha necessidade de recorrer ao sistema de Justiça e não precise de tirar o cartão de cidadão, vive aqui que nem um nababo. É um sossego. O que é giro é que os estrangeiros dizem que o Passos Coelho também esteve muito bem. Portanto, quem dizia que queria ir além da troika esteve muito bem, e quem dizia que ia reverter o que tinha sido feito pelos que queriam ir além da troika também esteve muito bem. Fizeram ambos um trabalho muito bom, embora tenham dito que iam fazer exactamente o contrário do que o outro fez. Os estrangeiros gostam muito de nós. Tudo o que a gente faz está bem feito. Uma pessoa até fica maluca. Mas não o suficiente para ter de ir ao hospital. Maluca mas não parva, vizinha.
(Crónica publicada na VISÃO 1382 de 29 de agosto)