Quando há sete meses Putin deu início à “operação especial” na Ucrânia, o seu discurso era um portento de autoconfiança e arrogância. A Ucrânia não existia como identidade própria, mas de qualquer maneira as tropas russas estacionadas há três meses nas suas fronteiras iam “desnazificá-la”, “desmilitarizá-la” e “desocidentalizá-la”. A hubris imperial era tal que o plano passava não por aumentar o terço do Donbass ocupado nos últimos oito anos, mas tomar Kiev e abraçar todos aqueles que pelo caminho saudariam os já míticos “homens verdes” russos. Esta distopia colonialista não só entreteve o auditório interno de Putin, encantado com tamanha correção da História, como reforçou uma realidade paralela assente na “ameaça da NATO à Rússia” ou do galope das botas cardadas neonazis às portas de Moscovo.
Sete meses depois, a distopia virou-se contra o criador. A ficção não sobreviveu à realidade e Putin, engolido pela arrogância dos ditadores, regressou às televisões mundiais numa posição de fraqueza. Tecnologicamente, o aparelho militar russo não se mostrou superior ao ucraniano, deixando assim cair o mito de grande potência imparável. Dar hoje ordens para que se acelere a reconversão de uma indústria em tempo útil, parece um desejo metaforicamente equivalente àqueles telefones fixos do tempo da Guerra Fria que compunham o cenário da mensagem televisiva de Putin: nem o tempo, nem os meios correm a seu favor. Também em termos numéricos, estacionar durante um inverno inteiro 150 mil homens nas fronteiras da Ucrânia exigia duas concretizações óbvias: vencer rapidamente e em força ou, não o fazendo, manter os homens mobilizados por um ideal. Ora, o que assistimos foi ao falhanço dessas premissas.