Passaram quase 14 anos desde que a Rússia tomou conta de 20% do território da Geórgia e sete desde que anexou uma parte estratégica da Ucrânia, em cujo leste mantém um conflito responsável por mais de 14 mil mortos e um milhão e meio de deslocados. Para a passada, ao contrário da narrativa do Kremlin, não contribuiu qualquer roteiro iminente de adesão à NATO daqueles dois países, o que não significa que não estejam no seu soberano direito de vir a fazê-lo no futuro, caso cumpram os requisitos e haja unanimidade entre aliados. Aliás, foi assim nos dois grandes alargamentos da Aliança a leste (1999 e 2004) e não consta que Putin, já então figura de topo, tenha pensado em enviar tropas para intimidar polacos, lituanos e romenos.
Para sermos precisos, as fronteiras da NATO com a Rússia são 6% de todas as que fazem dela o maior país do mundo, a que correspondem cinco de um total de 14 Estados, e as que mais segurança e estabilidade garantem. O alargamento da NATO aos antigos membros da esfera soviética nunca constituiu qualquer ameaça real para a Rússia e nem pode reduzir a questão ucraniana a uma simples tese definida por “avanços militares norte-americanos” ou por “mísseis apontados ao povo russo a partir de países da NATO”. Se assim fosse, a Bulgária já tinha sido atacada por ter presença militar norte-americana espalhada por várias bases e à Alemanha nunca teria sido dado o acordo para que fizesse a reunificação dentro do chapéu da NATO e mantivesse, até hoje, mais de 35 mil tropas norte-americanas no seu território. Aliás, se há parceiro estável (e rentável) na Europa para a Rússia, ele é a Alemanha.
O corolário de tudo isto é simples: a mistificação dos avanços da NATO apenas serve para afagar um ego russo carente de estatuto imperial pós-soviético e, com isso, garantir a durabilidade do regime de Putin, menos popular do que outrora. Com uma legitimidade de poder assente no revanchismo antiliberal (moral e económico), numa cultura política autocrática e clientelar implacável para com os adversários e numa economia de hidrocarbonetos com preços obrigatoriamente altos, tudo o que mine o projeto de reconstrução eurasiática com pivot em Moscovo destrói a hipótese de a Rússia sair projetada no tabuleiro geopolítico deste século, em mínimos de equilíbrio com os EUA e a China. Para Putin, tal como para o filósofo Ivan Ilyin por si idolatrado, o país é superior a qualquer dicotomia este-oeste, tal a dimensão geográfica sem paralelo.
É por isso que o que verdadeiramente ameaça Putin não é a NATO, mas o alastramento democrático a países-chave desse projeto, como a Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão. Por democratização, entenda-se alguma capacidade de a sociedade civil se organizar, uma Constituição com mínimos de separação de poderes, algum pluralismo e algumas liberdades individuais. Tudo o que países reféns de ameaças militares russas, ou outros que sobrevivam pelo autoritarismo sanguinário com auxílio financeiro da mesma origem, têm dificuldade de assegurar.
Recorde-se que a origem da revolta de Maidan e a queda do Presidente Ianukovitch, em finais de 2013, não foram um impulso de adesão da Ucrânia à NATO, mas a sua recusa de assinar um acordo de associação com a UE, quando sempre prometeu fazê-lo. Olhemos para os heróis de Minsk, que há meses pagam com a vida e a prisão por quererem eleições livres e justas. Aqui, então, nem sequer há uma hostilidade programática à Rússia, como aconteceu em Kiev, nem qualquer plano de adesão à NATO. O que faz Putin? Sustenta a violência do ditador Lukashenko, garantia de controlo processual sobre o destino bielorrusso. O mesmo para o riquíssimo Cazaquistão, que também não consta ter planos de aderir à NATO, mas é estrutural à plenitude do poder de fogo russo e à estabilidade da relação entre Moscovo e Pequim (que acelerou, em simultâneo, a ameaça a Taiwan), estratégia para dissuadir europeus e norte-americanos de endurecerem posições contra o Kremlin. É a vontade de maior abertura democrática que ameaça os interesses regionais de Putin e a sua governabilidade em casa, não é a existência da NATO. É pena que tantos no Ocidente ainda caiam nesta esparrela e acabem por fazer o jogo do infrator.
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Sul
A grande barragem na Etiópia deixa alarmados o Egito e o Sudão, devido ao impacto no caudal do Nilo, vital para mais oito países. Tanto no mundo se explica pelo controlo da água.
Este
Na corrida à hegemonia tecnológica, Taiwan tem 63% da produção global de semicondutores. A aceleração imperial de Xi Jinping também se explica por isso.
Oeste
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