Retomando a questão do significado da sigla LGBTQIA+, do artigo anterior, é pertinente reforçar que a ampliação da sigla (de LGBT para LGBTQIA+) também está vinculada à questão da interseccionalidade; isto é, das discriminações múltiplas que determinadas pessoas podem sofrer quando nelas convergem preconceitos relacionados ao género, à nacionalidade, à classe social, à faixa etária ou ao pertencimento étnico-racial. Dois exemplos ilustram isso:
O primeiro refere-se à mudança na antiga bandeira gay (representada pela sobreposição das cores do arco-íris), à difusão das bandeiras trans, bisexual e assexual e a recente propagação da bandeira LGBTQIA+, que representa a junção das bandeiras gay e trans tradicionais, com a adição de uma faixa triangular, que remete aos grupos que lutam pela igualdade étnico-racial e às lutas pós-coloniais.
O segundo exemplo é a formação de uma rede global de luta pela igualdade racial, fenómeno que tem o movimento Black Lives Matter (BLM) como o mais famoso representante. Recordemos que, embora exista desde 2013, com a intenção de protestar contra a brutalidade policial e os atos de violência com motivações raciais nos Estados Unidos, o BLM tornou-se um fenómeno mundial somente após a morte de George Floyd, ocorrida em 25 de maio de 2020, em Minnesota. Após este assassinato (pois é disso que se trata), foi criada a Black Lives Matter Global Network (BLMGN), atualmente com grupos organizados na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, França, Japão, Nova Zelândia e Reino Unido. A co-fundadora do BLMGN é a norte-americana Elle Hearns, uma ativista transgénero e negra. Não se trata de uma coincidência – o BLM participou da criação de outros grupos como o Black Trans Lives Matter que, como o nome sugere, luta contra a impunidade envolvendo os assassinatos de pessoas trans e negras.
Ao contrário do que muitos pensam, estas questões não são novas, não são ‘modernices’. Uma leitura cuidadosa de alguns textos clássicos, do teatro e da literatura Ocidental, como da poetisa grega Safo (630-570 a.C) ou do dramaturgo Aristófanes (447-386 a.C), permite-nos perceber a descrição, já nesta época histórica, de personagens homossexuais, trans, intersexuais e não-binários. Os livros do britânico Sir Kenneth Dover (1920-2010), nomeadamente Greek Homosexuality, exemplificam muito bem isso. Obviamente, tais textos não utilizam estas recentes nomenclaturas, mas apresentam comportamentos e características semelhantes aos que definem estas identidades e expressões de género na contemporaneidade.
Com narrativas próprias e estilos variados, há um número expressivo de obras que demostram a existência de idiossincrasias humanas e pessoais e, consequentemente, a importância de se buscar a unidade na diversidade. As Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia, Psicologia) ensinam-nos o quanto podemos conhecer melhor a nós mesmos, a partir do momento em que deixamos de lado os etnocentrismos, os egoísmos, e nos abrimos à possibilidade de diálogos simétricos, sem hierarquias, com o(s) “outro(s)”, os diferentes.
É importante que todos reflitam sobre isso: quando os direitos humanos de uma determinada pessoa da heterogénea coletividade LGBTQIA+ são negligenciados, a sociedade como um todo fica enfraquecida e com a sua humanidade vilipendiada. Enquanto a tribo LGBTQIA+ continuar a ser discriminada por uma parcela significativa (talvez majoritária) da população, estamos a comprometer a nossa própria condição humana.
Parafraseando o sociólogo Norbert Elias, se não queremos mais permitir que a história da humanidade seja um cemitério de sonhos (planos sonhados e não realizados), é indispensável reconhecer e valorizar plenamente a diversidade humana, em todos os seus aspetos, independentemente das orientações sexuais, identidades ou expressões de género. Portanto, as diferenças (raciais, étnicas, culturais, religiosas, sociais, económicas, de gênero, sexuais) não devem ser ‘um problema’; ao contrário, devem ser percebidas como possibilidades para melhorar a nossa própria humanidade, que deve ser marcada pela empatia, respeito, solidariedade e tolerância; enfim, pela garantia plena dos Direitos Humanos de todas as pessoas, independentemente das características, pertenças ou orientações.
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