Um é pouco, dois é bom, três é demais. É demais, diz o ditado, porque tem um efeito disruptivo e tem um efeito incerto, embora seja inegável o seu potencial transformador. Imagine que está num palco e vai assumir, à vez, o papel de protagonista, mas sem guião nem direção. Se calhar até já lhe aconteceu sentir-se num dos três lados possíveis no enredo. Cada posição tem mais-valias e danos colaterais. Descubra quais, sem julgamentos. E se ainda está num filme semelhante ao que vai ver descrito, procure lembrar-se de que toda a experiência é válida. E de que não há dois, já agora três, ou até quatro, caminhos iguais.
Papel: ‘Amante’
Ela não tem aliança, nem direito a aparecer nos eventos sociais, nem nas férias. Porém, aos olhos da ‘legítima’, é a ela que cabe o melhor quinhão do homem que ambas partilham: o erotismo – sofisticado ou selvagem – e, não raras vezes, a paixão. Isto, sem os tachos e as panelas pelo meio. Nem a roupa suja para lavar e estender. Nem as contas do supermercado e afins. Ou os aniversários e outros deveres familiares e sociais. Nem o ressonar que interrompe os sonhos e mata toda e qualquer poesia ou noção de romantismo.
A ‘má da fita’ – também referida por a ‘bruxa’ ou a ‘outra’ – aceitao mal que lhe fazem o ciúme, a clandestinidade e a frustração vivida em silêncio pelo bem que lhe sabe ter um parceiro a dias, a horas, com todas as honrarias e sem complicações domésticas. Por vezes, convence-se até que as paixões impossíveis fazem parte do seu próprio ADN. Ou são uma fatalidade, associada a um perfil de personalidade em que importa ser mestre da sedução solicitada para tempos de recreio, com todo o prazer.
Ser desejada confere um poder secreto, mas – e há sempre um ‘mas’ – a categoria de libertina ou de infratora paga-se com a interdição da promoção ao lugar da ‘tal’. E embora este lugar tenda, cada vez mais, a ser ocupado por um tempo limitado, há quem consiga manter-se nele e crie uma narrativa a condizer.
Papel: ‘Infiel’
Tradicionalmente associado ao homem, o desejo de ter uma relação secreta com um terceiro é hoje igualmente reconhecido por ambos os sexos, mesmo que socialmente continuem a fazer-se notar diferenças óbvias de género, que favorecem a gabarolice masculina e a discrição no feminino.
Que dizer do ‘homem duplicado’ (ou mulher), empenhado no treino contínuo na gestão de competências e na arte do não dito? Aquele que anseia pelo melhor de dois (ou mais) mundos, arriscando viver dividido entre ‘lugares’? Terá ele uma mente dividida, que se manifesta fora dele, no estilo de funcionamento relacional que o define? O que o leva a não poupar esforços para preservar o território conquistado, esse lugar seguro, e ampliar a sua margem de ação na caça desportiva, na pesca lúdica ou nas artes marciais, que lhe permitem explorar o desconhecido?
O que mais fascina neste papel – em que muitos homens e mulheres apostam e desempenham de forma exímia, apesar de não terem qualquer garantia de obter os resultados desejados – reside na ideia ‘capitalista’ dos vínculos freelance: quer-se do(a) outro(a) uma colaboração empenhada e criativa, sem obrigações fiscais para além das estritamente necessárias. Dos mínimos. O relacionamento com alguém que não pertence ‘aos quadros’, que não faz parte da ‘massa salarial’ e é, por definição, ‘livre’, constitui um poderoso afrodisíaco para o protagonista ‘dividido’ mas que pode, igualmente, tornar-se num colete-de-forças.
Papel: ‘Traída(o)’
A ‘tal’ – que poderá também ser ‘o tal’ – e habitualmente designada(o) como “a última pessoa a saber”, a que “tem a testa pesada” e outros adjetivos desqualificantes, aprecia o estatuto de ‘porto seguro’, da rainha de copas que tem o cetro na mão (não raras vezes representado pelos filhos).
Aqui, o segredo é saber esperar. E jogar com as armas da resistência que irão certamente vencer o(a) adversário(a). Nem que seja pelo cansaço, já que as pesquisas realizadas na linha evolucionista mostram que uma paixão dura, em média, entre seis meses e um ano e meio. Depois disso, o corpo dá sinais de desgaste e mostra-se biologicamente incapaz de gerir a turbulência dos neurotransmissores e das hormonas. Ou seja, a autorregulação é inevitável, em abono da sanidade física e mental.
Quem ocupa este lugar tem frequentemente dificuldade em admitir que possa não ser outra coisa que não a vítima. Ou, por compensação, a vitoriosa, que sairá moralmente fortalecida no jogo do qual se tornou cúmplice, seja usando informação confidencial a seu favor ou denegrindo a posição que, de algum modo, sente que lhe foi usurpada por outra pessoa, tentando mesmo resgatá-la.
Quando a geometria se altera
O terceiro elemento pode violar a regra de ouro (o silêncio, certo?) e envolver-se mais do que o seu estatuto tácito de colaborador(a) permite. O elemento dividido pode ver-se a braços com a insustentável leveza do ser e sentir-se sufocado, como uma fatia de fiambre numa sandes, quando antes tudo lhe parecia possível. O elemento que não foi tido nem achado pode cansar-se do ficar na resistência, querer partir a loiça e fazer uma revolução, com o repto do ‘sim ou sopas’ (face a um ou aos dois aliados).
Lá se vai o triângulo que parecia um equilíbrio perfeito de forças, com ganhos secundários para todos. Quem diz o triângulo, diz o quadrado, já que também é frequente que um affair ganhe asas quando ambos são comprometidos. Porém, são mais raras as vezes em que o par clandestino sai do armário e acaba por vir à luz, sobrevivendo ao(s) vínculos deixados e, até, às perseguições e fantasmas capazes de infernizar a nova relação.
Em qualquer dos cenários, a experiência pode ser uma oportunidade transformadora. O fim do segredo representa, quase sempre, uma evolução na vida dos protagonistas, que ficam libertos do seu papel e prontos para assumir novos caminhos e em múltiplas combinações possíveis. Surpreendentemente, a manutenção do triângulo ‘até que a morte os separe’ pode ser uma delas, como atestam muitas biografias de gente que ficou na História pelas suas ideias, obras e descobertas.