Na celebração dos 112 anos da Implantação da República, como de costume, fizeram-se balanços e reflexões, deixaram-se mensagens para o futuro e vários recados. Numa coisa, todos os intervenientes políticos parecem concordar: a república está viva, mas com problemas.
E por falar em problemas, eles sucedem-se em forma de casos e casinhos do Governo. O último foi a notícia de que o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, está outra vez debaixo de fogo: encontra-se objetivamente em estado de incompatibilidade, porque tem uma empresa de consultadoria na área da saúde, ainda que em fase de dissolução.
Abuso da palavra caso, como diz o Primeiro-Ministro, ou mais um sinal de um governo desorientado e sem rumo, como diz Cavaco Silva, foi discutido no Olho Vivo desta semana.
“Manuel Pizarro chega “armadilhado” ao Governo. Depois da incompatibilidade por ser casado com a presidente da Ordem dos Nutricionistas, a incompatiblidade por ter uma consultoria de Saúde. Mas ele também é vítima da bola de neve que é a sucessão de casos deste Governo… Cada caso que se segue ao outro aumenta o potencial de crítica e de escrutínio”, entende Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO.
O problema está na falta de transparência, diz Mafalda Anjos. “Não há excesso de escrutínio, há alguma displicência e uma comunicação desastrosa. Se tivesse sido assumido à partida que havia esta situação com uma empresa sem atividade desde 2020 e que esta seria dissolvida no dia x, o caso não assumiria estas proporções”, diz a diretora da VISÃO.
Segundo o jornalista Nuno Miguel Ropio, “Costa tem de deixar de relativizar os casos de incompatibilidades que as personalidades convidadas para o Governo lhe apresentam, em vez de arrastar tais situações até serem rebentarem como noticias e tornarem-se polémicas insustentáveis”. “É um pouco incompreensível, e contradiz aquilo que supostamente é um bom faro político, António Costa deixar que estes casos se transformem em casos difíceis de controlar, nestes tempos políticos tão sensíveis, em que uma Direita populista e radical vive dos mesmos”, frisou, criticando a defesa que Ana Abrunhosa fez publicar num jornal sobre os fundos europeus concedidos ao marido, lembrando que, ao contrário do parecer que sinalizou a ministra, a Procuradoria-Geral da República não considerou que não havia um problema, antes apontou que existe uma lacuna na legislação sobre o tema.
Para Mafalda Anjos, o caso de Ana Abrunhosa é mais complexo. “Mesmo que toda a legalidade esteja formalmente cumprida, há questões éticas de fundo difíceis de encaixar. E no artigo que publicou, a ministra não só não arruma o tema, como diz coisas incompreensíveis: por exemplo, que é contra a alteração legislativa que a PGR indica”, afirma. E continua: “Além disso, há neste caso contornos inquietantes. António Trigueiros de Aragão tem como sócio um empresário chinês condenado por corrupção ativa no âmbito do caso dos Vistos Gold. Como é que fundos comunitários são atribuídos a pessoas com este cadastro?”.
Em análise neste Olho Vivo estiveram ainda os discursos das cerimónias do 5 de Outubro.
“Marcelo fez um paralelo e um alerta, ao comparar a situação da democracia com a da 1.ª República, há 100 anos. A falta de regeneração daquele regime conduziu ao 28 de Maio de 1926 e a uma longa ditadura. Perigos equivalentes nos espreitam, se não usarmos as ferramentas de que hoje dispomos e de que não dispúnhamos há 100 anos. E, aqui, começam os recados. Entre eles, o facto de dispormos de um Presidente eleito por sufrágio universal, que mantém intactos – leia-se, apesar da maioria absoluta… – os seus poderes, nomeadamente, o de dissolver o Parlamento, e o facto de existirem alternativas na oposição”, salienta Filipe Luís. “Hoje, portanto, ao contrário de um passado recente, o Presidente considera que existem alternativas ao governo socialista, como mito bem desenvolveu, depois, à chegada a Belém, em declarações aos jornalistas que o aguardavam… E aproveitou para falar no PRR, coisa que tinha desaparecido da agenda, com críticas veladas ao ritmo da sua aplicação… um assunto a seguir atentamente…”
Para Mafalda Anjos, Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso onde falou para todos: criticou o governo e os erros, omissões, incompetências e ineficácias, e deu a tática para a oposição que tem de se impor como alternativa. “Mas a República portuguesa é mesmo extraordinária. Na cerimónia tivemos Marcelo Presidente a falar, e cinco minutos depois, entra Marcelo Comentador em Belém, numa espécie de flash interview, a explicar o seu discurso. E aí é ainda mais claro: Se o Governo não conseguir, há outros que serão capazes de fazer.”
Já Nuno Miguel Ropio considerou que da cerimónia do 5 de Outubro saltam três notas. A primeira; que “Carlos Moedas pareceu estar a fazer uma prova de vida, quase numa pré-campanha, num momento em que há um ambiente de crispação entre o executivo de direita e a Assembleia Municipal de Lisboa, onde há uma maioria de esquerda”; depois, “António Costa relativizou o recado pouco agradável de Marcelo, em como os casos de Ana Abrunhosa e de Pizarro fragilizam a democracia”. “Por último, o mesmo presidente da República que centrou o seu discurso do 5 de outubro na ética republicana e nos perigos para a democracia foi o mesmo que, horas antes, teve de assumir que ligou ao líder dos bispos portugueses, D. José Ornelas, para lhe dizer que estava a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República”.
Nas notas finais, foram abordados os temas da compra de nova frota automóvel da TAP, o desaire do Credit Suisse nos mercados financeiros e o novo documentário sobre as Três Marias.
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