António Guterres esteve em Moscovo e está hoje em Kiev, em modo de “mensageiro da paz”, numa visita que acontece cerca de uma semana depois de ter sido alvo de duras críticas pela inércia com que tem tratado o tema da guerra na Ucrânia, numa carta aberta de mais de 200 ex-altos funcionários, entre os quais alguns antigos subsecretários-gerais da ONU. Coincidência ou não, 24 horas depois desta carta ser divulgada, surgiu o anúncio do pedido de viagem de Guterres à Rússia. As suas próprias expectativas não são, porém, elevadas. “A guerra não vai acabar com reuniões, vai acabar quando a Rússia decidir”, afirmou. Qual o seu papel na moderação num momento em que as ameaças sobem de tom e se tornam hipersónicas, eis a questão.
“O que pode o soft power contra o hard power da força das armas, ou o que vale a diplomacia da ONU e do seu líder em tempos de guerra?”, questiona Mafalda Anjos. “Tem a tarefa mais ingrata possível. E, como sabemos, António Guterres não é bom a cavar e a construir nos pântanos. A ONU arrisca-se a cair na irrelevância, por não ter assumido à partida um papel mais interventivo na mediação do problema, como fez por exemplo Macron que se reuniu 17 vezes com Putin”, diz a diretora da VISÃO. “Por outro lado, as Nações Unidas foram desenhadas para uma realidade que já não existe”, sublinha.
A sua capacidade de intervenção agora é limitada. “Guterres tem pouca margem de manobra; a carta das Nações Unidas define o secretário-geral, meramente, como o mais alto funcionário administrativo. Mas é um daqueles lugares em que o homem faz o cargo. O desempenho depende muito da forma como o secretário-geral interpreta as suas funções. Ele devia ter sido mais interventivo, logo a montante, antes mesmo do início do conflito”, explica Filipe Luís. “António Guterres nunca despiu o fato de Alto Comissário para os Refugiados. Fez um excelente lugar no ACNUR, é certo, e agora vai à Rússia e à Ucrânia com o mal já feito, para tratar de corredores humanitários… É muito meritório se o conseguir, e até pode dar a volta por cima das críticas sobre a alegada inércia, mas um secretário-geral está noutro patamar diplomático, não é o chefe do ACNUR…”, destaca o editor-executivo da VISÃO.
Outro tema em análise foi o interesse de Elon Musk pelo Twitter. Embora ainda não esteja garantido que Elon Musk avance mesmo para a compra do Twitter – tem feito declarações confusas e as ações da Tesla estão a cair -, o negócio só não se concretizará se o homem mais rico do mundo não quiser. Musk diz que o faz em nome da liberdade de expressão. “No passado, o Twitter já teve um abordagem desse género, absolutista em relação à liberdade de expressão, tendo percebido as consequências negativas que isso tinha. O assédio, racismo e perseguição existem e são feitos de forma anónima”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “Veremos se este compromisso de Elon Musk com a liberdade de expressão se irá estender à China, onde quer produzir e vender carros da Tesla.”
Para Mafalda Anjos, uma rede social não se pode comparar a um simples órgão de comunicação social. “Pela sua natureza, têm um poder enorme de catapultar marcas e pessoas, moldar opiniões e humores e, sobretudo filtrar a realidade que é mostrada aos utilizadores. São máquinas com potencial de manipulação massiva”. Por isso, a diretora da VISÃO vê como “feliz coincidência” que na mesma semana, o Conselho e Parlamento Europeu tenham chegado a acordo sobre a “Lei de Serviços Digitais”, onde a UE é pioneira.
Grande parte do debate está a aconcentrar-se nesta luta pela liberdade de expressão, mas talvez um ângulo mais relevante para perceber os motivos da compra sejam financeiros. “Musk está numa guerra mais ou menos aberta com o regulador do mercado financeiro norte-americano, tendo usado o Twitter no passado para manipular o mercado, com afirmações falsas, promessas que não pode cumprir ou alterando modos de pagamento da Tesla”, acrescentou Nuno Aguiar. “O que fará o regulador quando, pretendendo limitar a utilização da rede social por Musk, ele for o dono dessa mesma rede social?”
“Elon Musk é um dos principais oligarcas americanos e não é a liberdade de expressão que o move. O que o move é a liberdade da “sua expressão”… Controlar uma rede como o Twitter dá poder e uma influência global. É pretender controlar milhares de milhões de mentes… Já vimos isto nos filmes do 007 e a realidade pode vir a ultrapassar a ficção…”, destaca Filipe Luís.
Outro tema abordado foram as condecorações anunciadas por Marcelo Rebelo de Sousa, que pretende distinguir com a Ordem da Liberdade todos os militares que participaram no 25 de Abril, incluindo nomes polémicos, entre os quais os de Rosa Coutinho, Vasco Gonçalves ou António de Spínola. “Marcelo quer ficar como o obreiro da ‘reconciliação nacional final’, 50 anos depois do 25 de abril. Mas, com esta polémica, o tiro está a sair-lhe um bocadinho pela culatra…”, diz Filipe Luís. ”
“O tema é divisivo e eu percebo a polémica à esquerda e à direita. Mas não concordo com o Presidente da República. Não creio que se possa retirar da equação o que as figuras históricas fazem antes ou depois de um momento relevante e assim apagar a história ou olhar de forma parcelar para ela. Marcelo Rebelo de Sousa quer unificar e cultiva os afetos e as gentilezas, mas uma condecoração é mais do que uma gentileza, tem valor simbólico”, afirma Mafalda Anjos.
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