Esta semana, António Costa começou as reuniões informais para a constituição do governo, onde ouviu uma mão-cheia de Conselhos e todos os partidos com assento parlamentar, mas deixou de fora precisamente o Chega. E a discussão em torno da Vice-presidência da Assembleia da República (AR) continua acesa, com André Ventura a insistir no nome proposto de Diogo Pacheco Amorim e no direito a ter um lugar na mesa do Parlamento.
“Faltam cabelos brancos com prestígio ao elenco de quadros do Chega e, por isso, percebe-se a candidatura de Diogo Pacheco de Amorim, que é um intelectual e tem passado político, a uma das vice-presidências da AR. Mas, sendo uma figura polémica, pelo seu envolvimento numa organização relacionada com a rede bombista de extrema-direita, em 1975, também serve os propósitos de André Ventura, como agitador”, diz Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO. E acrescenta: “O melhor a fazer seria não alimentar a vitimização do Chega: perante a candidatura de Pacheco de Amorim, os outros partidos deviam ter-se abstido de comentar. Calavam-se, evitavam polémicas e, na hora de votar, não o elegiam. O Chega teria, então, o seu momento de vitimização, que não duraria mais de cinco minutos…”
Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, não concorda que se deva usar o argumento da vitimização. “Se o que se teme é a vitimização do Chega, o que fazer em relação às propostas de lei ou às revisões constitucionais que não serão também aprovadas? A estratégia de vitimização será sempre usada. E é democrático aceitar algo só porque um partido se vitimiza, cedendo a uma chantagem política? Acho que não se pode temer a vitimização, há que confrontá-la com factos, escrutiná-la com dados e, em última análise, ignorá-la. E isto cabe a todos: políticos e, sobretudo, media de referência, que têm de aprender a lidar com isso”.
Já a Iniciativa Liberal quer sentar-se no centro da Assembleia da República, no mesmo lugar para onde se mudaram recentemente os Liberais no Bundestag, o parlamento alemão. No entanto, apesar de terem um nome semelhante, os dois partidos são muito diferentes, como se viu na forma como os alemães aceitaram formar uma coligação com os socialistas e os Verdes, com um programa de governo em que se reforça a tónica no Estado Social. “Os liberais alemães aceitam coisas que para a Iniciativa Liberal são quase pecado”, disse Rui Tavares Guedes, diretor executivo da VISÃO, dando o exemplo do grande projeto de construção de casas, financiadas pelo Estado, e que é uma das bandeiras do novo governo de Berlim, a par do aumento do salário mínimo e da transição energética. “Os liberais alemães, ao contrário dos portugueses, não acreditam que o problema da habitação se resolve apenas a deixar o mercado a funcionar”, acrescentou.
“Se uma galinha se auto-determinar pavão, passa a ser um pavão? Em dois dias, tanto a IL como o Chega utilizam o argumento da auto-determinação, como se bastasse dizerem-se algo para passarem a sê-lo, independentemente do que é a sua prática e do que têm escrito nos programas. Quantos eleitores da IL teriam votado IL se João Cotrim de Figueiredo tivesse dito na campanha que está à esquerda do PSD? Isto não é autodeterminação, é confusão”, diz Mafalda Anjos. “Um partido que propõe uma flat rate de 15%, que promete eliminar todas as deduções e benefícios fiscais em sede de IRS, que quer reduzir drasticamente o papel do Estado na Educação e na Saúde, que não tem quaisquer preocupações sociais, que quer privatizar tudo (TAP, RTP, CGD), que não quer um salário mínimo nacional, que fala em ‘colaboradores’ e não em trabalhadores, que nega o conceito de emergência climática… não pode dizer que não é de direita”, conclui.
“A modernidade que a IL nos propõe é o liberalismo capitalista do século XIX. Não se entende, por exemplo, que um partido que se diz moderno, como a IL, não tenha percebido a importância da economia verde, para o próprio futuro do capitalismo…”, acrescenta Filipe Luís.
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