João Rendeiro fintou tudo e todos, mas não por muito tempo – três meses depois da sua cinematográfica fuga, foi detido em África do Sul e em curso está um processo de extradição para Portugal. Mas ainda é cedo para cantar vitória, concorda o painel de olheiros do Olho Vivo, o programa de comentário político e económico da VISÃO. “Para estar vingada a honra da Justiça portuguesa ainda falta que ele aterre por cá e seja presente a tribunal, o que pode demorar vários meses”, explica Mafalda Anjos, diretora da VISÃO.
Porque parece que gato escaldado de água fria tem medo, a Justiça portuguesa apertou o cerco a Manuel Pinho. O Ex-ministro é arguido desde 2017, os factos remontam a uma década antes, mas o processo transitou para as mãos de Carlos Alexandre e Pinho ficou detido em prisão domiciliária até pagamento de uma caução de seis milhões de euros – a mais alta de sempre, o dobro da que foi pedida a Ricardo Salgado.
“Volta a ficar bastante visível que a sorte de cada arguido depende do juiz que lhe calhe”, aponta o jornalista Nuno Aguiar. “Nós já assumimos isso com naturalidade. Muda o juiz e podemos esperar maior ou menor agressividade. Há poucas sensações piores do que esta arbitrariedade na aplicação da justiça”.
“A Justiça está em stress pós-traumático com o caso Rendeiro, teve excesso de zelo. Mas há aqui um fator essencial: a mudança de juiz. De 6 de dezembro a 4 de janeiro é Carlos Alexandre é o dono do processo. Pensar que há critérios distintos conforme o Juiz que calha na rifa é inquietante, conforme é Carlos Alexandre, o justicialista, ou Ivo Rosa, o garantista“, comenta Mafalda Anjos. “Em todos os sistemas judiciais, a aplicação da Justiça também depende, em certa medida, da interpretação de cada juiz. Mas a falta de equilíbrio e a bipolaridade do ‘Ticão’ é mesmo inquietante”, sublinha Filipe Luís.
Estes últimos dias, marcados por casos rodeados de enorme expectativa – João Rendeiro, Manuel Pinho, PPPs –, voltam a motivar alguma reflexão sobre a forma como é conduzida a justiça em Portugal. “Se não se conseguem concluir processos, seja porque as bases do Ministério Público eram mais frágeis do que pensava seja porque não tem meios ou capacidade para o fazer, instala-se uma insatisfação generalizada, tanto dos arguidos que não se podem defender, como da sociedade, que vai lendo uma série de notícias, através das quais o MP condiciona a imagem destes casos”, refere Nuno Aguiar. “É criada uma expectativa que não é concretizada.”
Para ajudar à festa, quando se pensava que a atuação da PJ só mereceria louvores, eis que Rui Rio vem criticar o diretor da Polícia Judiciária. “Do tweet à entrevista, foi de mal a pior”, comenta Mafalda Anjos: classificou de “foguetório” a detenção “pela polícia sul-africana” do ex-banqueiro João Rendeiro para “beneficiar indiretamente o PS”. “Desde Montesquieu, no século XVIII, que a noção de separação de poderes, no Estado de Direito democrático, é um dado adquirido. No seu tweet, Rui Rio parece ignorá-lo. Foi, depois, à RTP tentar explicar o inexplicável e justificar-se com a sua ‘ironia’. Ignora que a pior ironia é aquela que precisa de ser explicada”, analisa Filipe Luís.
“Mais do que o tweet – era fácil a qualquer político dizer que não queria dizer bem aquilo –, Rui Rio faz um double down na entrevista à RTP. Quando lhe perguntam se as investigações são condicionadas politicamente, responde ‘bom, ouço muitas pessoas a dizerem que sim’ Como se a opinião em relação a algo tão importante fosse condicionada por algo que se ouve quando se está na fila para as Finanças”, nota Nuno Aguiar.
“O Twitter de Rui Rio é um repositório de embaraços e de ironias falhadas. Este tweet é revelador de uma enorme falta de sentido de estado, de um pendor totalitarista preocupante – como é sequer possível que equacione uma instrumentalização do sistema judicial – e de uma preocupante impreparação para ser Primeiro- Ministro, facto que foi notório pela crítica feroz que lhe fez, e bem, o Presidente da República, que disse que ‘não tem noção'”, destaca Mafalda Anjos.
Em análise nesta edição do Olho Vivo esteve ainda a convenção da Iniciativa Liberal. Os liberais juntaram-se em convenção para dizer ao País que “estão preparados” e que são mais do que um movimento ativo no Twitter que faz uns meses e uns cartazes engraçados. A ambição é ser governo e isso ficou claro. Para Filipe Luís, “pela sua imaginação na comunicação e, em resultado disso, pela sua boa imprensa, a IL faz lembrar o Bloco de Esquerda, no seu início. Aliás, a IL, e não o Chega, é que é o BE da direita – o Chega é o MRPP.”
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