São as gordas do mais recente cartaz do Partido André Ventura Unipessoal. Perdoem-me o clickbait. Seria chocante se não fosse triste. Pelas ruas das principais cidades do País, pululam estruturas com a cara do excelso deputado da nação, assim como as caras de alguns governantes rasuradas a vermelho. Não me apraz particularmente trazer mais destaque para uma força política já de si sobrevalorizada e sobre-representada na discussão pública, mas parece-me relevante escalpelizar aquilo que está por detrás da escolha desta estética e linguagem.
O apelo à “higiene” teve o seu infeliz lugar na histórica da comunicação política. Os valores como a limpeza, a pureza, a ausência de mácula, estão enraizados em mecanismos inatos do ser humano, porque dependemos também de saber reconhecer a sujidade, a doença, os dejetos, os animais transportadores de pragas para sobreviver. E foi, em parte, com base no ativar destes mecanismos que operam nas profundezas do nosso subconsciente que alguns dos movimentos de massas mais surpreendentes e inexplicáveis tiveram lugar no passado recente da humanidade. O retrato de Adolf Hitler como infalível e como salvador messiânico da Alemanha (será que também falava com Deus?) ajudou a criar um sentimento de unidade, orgulho, e nacionalismo entre o povo alemão. Embora a unidade sob um líder fosse importante para os objetivos do NSDAP, a Alemanha precisava de estar unida contra um inimigo comum para fomentar ainda mais a unidade. Apontando como inimigos as pessoas e não as ideias, um pouco como o cartaz que referi acima, as minorias étnicas, sexuais, religiosas e outras foram representadas pela máquina de propaganda Nazi como ratos, baratas, sub-humanos e outras espécies menores, como se fossem uma nódoa no tecido da sociedade, precisamente para criar o sentimento no povo de que precisaria de um banho. De uma limpeza.
Por detrás da boçalidade e do vozeirão inconsequente do Chega, esconde-se também quem não se coíbe de recorrer a estes métodos para fazer política. Mas para qualquer português que se diga patriota, ou conservador, ou liberal, de direita, moderado, ou democrata-cristão, se não basta rejeitar esta excrecência por ser perigosa, que o faça por ser uma fraude.
Este partido cavalga as mesmas 3 ou 4 bandeiras desde que apareceu, todas elas alicerçadas em criar ressentimento entre os portugueses e em virá-los uns contra os outros. No entanto, pouco ou nada de consequente foi capaz de propor e aprovar no sentido de resolver os problemas dos quais clama ser a principal fonte de soluções. Alguém conhece a reforma da justiça do Chega que não seja só agravar penas? Ou das forças de segurança que não seja só atirar dinheiro para cima do problema? Para além disso, em tudo o que saia da esfera monotemática deste partido, a falta de competência e de rigor técnico é aberrante. Também é notável o total desnorte ideológico, como ficou recentemente a nu pela intervenção do deputado Rui Afonso, meu colega na Assembleia Municipal do Porto, que teria feito um discurso digno do PCP se não balbuciasse como uma criança de 8 anos. Finalmente, a balbúrdia interna que grassa no Partido Ventura Unipessoal, que não é sequer capaz de convocar reuniões de forma legal, e que se viu forçado a blindar-se a oposições internas, deixa às claras a incapacidade desta agremiação de revoltosos de barriga cheia de governar seja o que for.
Dito isto, muita pena me dá que, face ao descalabro das intenções de voto do PS, o PSD não tenha sido capaz de, até hoje, apresentar uma visão alternativa de país que lhe permitisse captar essa onda de legítimo descontentamento (ao contrário, por exemplo, da Iniciativa Liberal) que acabou por engrossar as intenções de voto nos extremos. O país não pode esperar por uma alternativa, o que o Chega, manifestamente, não é. Ao dia de hoje, quase ninguém consegue dizer de cabeça as bandeiras do PSD. Os sociais-democratas precisam, portanto, de também fazer uma “limpeza” à sua secretária e focarem-se em construir programa, pensamento, e propostas. Em particular, de definir a sua posição com clareza em relação à comandita de André Ventura. Se não o fizer, pelo andar da carruagem, a única forma de tirar o PS do poder, sem o Chega, é através do voto liberal. A IL será maioritária no governo, um dia. Mas Portugal tem a casa desarrumada há demasiado tempo, e precisa duma “limpeza” deste modelo social esgotado, já para amanhã, e precisa de todo o espaço não-socialista moderado para o fazer.
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