Há quatro formas de gastar dinheiro. A primeira é gastarmos o nosso próprio dinheiro para os nossos próprios fins. Neste caso, estamos altamente conscientes tanto do custo do bem ou serviço que estamos a adquirir, como do valor que essa compra nos dá em troca, já que temos em consideração outras alternativas, sabemos o que nos custou a ganhar e apenas nós sabemos dar o nosso próprio valor subjetivo às coisas. A segunda forma é gastarmos o nosso dinheiro para os fins de outrem, como no caso de presentes. Ignorando o propósito de realização pessoal ou social que este tipo de ações nos possam trazer, estamos interessados essencialmente em ter uma boa relação qualidade preço, para não acabarmos por gastar muito, e por muito que conheçamos a pessoa, é sempre difícil saber exatamente o que o outro quer ou precisa. A terceira forma é gastarmos o dinheiro de outros em nós mesmos, como por exemplo uma despesa profissional, onde procuramos, normalmente, obter o maior valor possível dentro dos limites estipulados. Não é por acaso que a classe acima de económica nas companhias aéreas se chama executiva, ou “business”. A quarta forma de gastarmos recursos é, como é possível adivinhar, gastar o dinheiro de outros para o usufruto de outrem. Por muito bem intencionado, racional, e experiente que se seja, alguém nesta situação nunca sentirá vincadamente os incentivos para fazer uma tão boa alocação de recursos como alguém que se situe no primeiro caso. Nunca pagará o preço de tomar uma má decisão, não assume risco, já que não paga do seu próprio bolso, nem usufrui do serviço ou bem que adquire. Este é enquadramento de um decisor de uma grande organização burocrática, ou, em particular, dum governante.
Estes quatro quadrantes, formados cruzando a resposta à pergunta “Quem gasta?” num dos eixos e “Quem usufrui?” no outro, foram usados por Milton Friedman como exercício mental no seu livro “Free to Choose”, e serve para fundamentar o porquê sermos céticos relativamente à participação do Estado na atividade económica, Estado esse cuja despesa, em Portugal, já representa mais de 48% do PIB. Uma crença profundamente liberal é estar convicto de que os indivíduos têm a capacidade de saber o que é melhor para eles, precisamente por tomarem as suas decisões no 1º quadrante, que é onde todos os incentivos estão alinhados. Daí decorre que, à exceção da Defesa, Justiça e Segurança, num primeiro patamar, por serem funções de soberania que estão naturalmente dependentes das instituições democráticas, e da Saúde e Educação, que são garante da Liberdade efetiva, prefiramos que, sempre que possível, as decisões sejam tomadas num quadrante o mais próximo deste primeiro.
Continuando a aliar estas disciplinas que me entusiasmam, a política e a geometria, estes quatro quadrantes quase que podem formar uma mira. E com essa mira quero apontar àqueles que, por cegueira ideológica, fazem pesar no bolso e na vida dos portugueses o custo de decidir no contexto quadrante errado.
E não haverá custo mais destacado e elevado que o caos que atualmente se passa no SNS. Décadas sem encetar as reformas necessárias são a consequência direta de governantes socialistas que nunca tiveram que pagar o preço pelas suas decisões, nunca tiveram o incentivo para melhorar a qualidade do serviço (até porque grande parte nem dele usufruem), submetendo-se apenas e só aos ditames do eleitoralismo, que orienta as decisões para um perpétuo prazo igual ou inferior a quatro anos, até ao qual alterações profundas nunca são possíveis. Em particular, o fim das PPPs, que eram uma forma de trazer pelo menos alguns incentivos à produtividade para dentro do SNS, afastando-o do funesto quarto quadrante, foram terminadas por uma incapacidade em admitir que uma curta margem de 2 a 3% para os gestores dos hospitais eram um pequeno preço a pagar pela eficiência que, em parte, poderia evitar o colapso do sistema a que hoje assistimos.
Para além disso, como é que é esperado que acreditemos na capacidade de decidir pelo bem comum de um ministro, famoso por fazer voz grossa a quem com ele se atravessa, após sair incólume de uma decisão que teria impactos de décadas, sem qualquer consulta pública, nem sequer dos seus colegas de governo, bastando-lhe um pusilânime pedido de desculpas? Pedro Nuno Santos é o exemplo acabado do que pode acontecer se deixarmos as decisões nas mãos de quem não paga qualquer preço por tomá-las erradamente, e nas mãos deste indivíduo já deixámos vários milhares de milhões de euros.
Para mim são estes os quadrantes que interessam. O quadrante da liberdade, aliada à responsabilidade, ou o quadrante oposto, do despesismo, do eleitoralismo, do saque fiscal, e da desresponsabilização. Deixo finalmente uma mensagem aos meus colegas liberais: pouco interessam os nossos próprios “quadrantes” internos, uns mais conservadores, outros mais sociais. A luta relevante é do outro lado do campo.
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