Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho, os estágios não remunerados em Portugal foram restringidos, subsistindo ainda, contudo, algumas categorias nas quais continuam a ser admissíveis. São elas os estágios curriculares; os estágios com duração igual ou inferior a três meses, sem possibilidade de renovação; os estágios profissionais extracurriculares com comparticipação pública; os estágios obrigatórios para ingressar em funções públicas; os estágios como trabalhador independente; estágios dos médicos pós-licenciatura; e os estágios de enfermagem.
Uma sociedade desenvolvida – com a ambição de convergir com as comunidades mais prósperas do mundo – deve condenar veementemente todas as formas de trabalho não remunerado e trabalhar em soluções eficazes para erradicar esta prática que afeta milhares de jovens em Portugal.
Uma visão humanista do trabalho e dos trabalhadores exige, por princípio, que todo o trabalho seja remunerado. Naturalmente, a remuneração deve variar em função das habilitações, da experiência adquirida e das tarefas desempenhadas. A inexistência de qualquer remuneração é gravemente atentatória dos direitos dos trabalhadores em geral, e dos jovens, em particular, a uma justa remuneração do seu trabalho, consubstanciando uma forma de exploração moderna. Não é preciso ser de esquerda para pensar assim: basta colocar a dignidade da pessoa humana no centro de toda a política.
Do ponto de vista da concorrência e da competitividade da nossa economia, é igualmente perverso e desleal permitir que as empresas que utilizam trabalhadores não remunerados concorram lado a lado com aquelas que, respeitando a dignidade laboral, não recorrem.
Antes de entrar no mercado de trabalho, é comum os jovens portugueses recorrerem a um estágio, para mais tarde ascender ao estatuto de trabalhador que garante mais direitos devido à formação, experiência e competências. E, de facto, estudos comprovam que esta tendência melhora as hipóteses de empregabilidade, quando um jovem aspirante a trabalhador realiza um estágio ou tem experiências laborais.
Ao longo dos anos, as instituições de Ensino Superior têm vindo a integrar este requisito de experiência no mercado de trabalho nos seus programas, proporcionando workshops e estruturas de apoios aos alunos para a preparação de um currículo e melhor capacitação para o ingresso no mercado.
Em Portugal, as ordens profissionais exercem um poder público delegado do Estado, tendo em vista a regulação do acesso e o exercício das profissões. Todas as ordens existentes têm como requisito obrigatório um estágio na área, ou experiência profissional na área para os candidatos poderem ser admitidos.
Infelizmente, muitos destes estágios não são renumerados, colocando os candidatos numa posição financeira potencialmente sensível, obrigando muitos jovens a desdobrarem-se em múltiplos trabalhos para assegurar alguma remuneração, ou, em alternativa, perpetuarem a dependência paternal e, consequentemente, adiam a sua emancipação, a saída de casa do país e a concretização do seu projeto de vida. Os candidatos a uma profissão veem-se assim num dilema que os força a estagiar sem auferir qualquer renumeração, esperando que mais tarde tal experiência laboral permita o ingresso na ordem e o ajude obter um trabalho remunerado.
Um estudo realizado em 2017 aferiu que 47% dos jovens portugueses não recebia qualquer remuneração, a 27% é atribuído um valor inferior a 445,00€ e os restantes 26% um valor igual ou acime de 445,00€ (Baptista, 2017).
Em 2020, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre Garantia para a Juventude por larga maioria. Entre outras propostas, é especialmente relevante a condenação da existência de estágios e programas de formação e aprendizagem não remunerados, uma prática considerada «uma forma de exploração do trabalho dos jovens e uma violação dos seus direitos». Por essa razão, o Parlamento Europeu solicitou – e bem – à Comissão Europeia e aos Estados-membros que, em colaboração, criassem «um instrumento jurídico comum que garanta e imponha uma remuneração justa aos estágios e aos programas de formação e aprendizagem no mercado de trabalho da EU [União Europeia]», nos termos do documento aprovado. Este entendimento europeu é correto e deve ser uma realidade.
Em Portugal, por exemplo, os Estágios do IEFP abrangem os estagiários em fase de acesso a profissões reguladas, sendo este um caminho – que inviabiliza a narrativa que diz que obrigar a estágios remunerados conduzirá a menos estágios – a explorar para combater a chaga dos estágios não remunerados e terminar com uma realidade insustentável que já não devia existir. Apesar da possibilidade, sabemos que o recurso a um estágio destes não é prática comum no caso dos estágios para acesso a uma profissão regulada.
Num tempo em que, à boleia dos novos fundos europeus, se fala tanto da nova oportunidade (talvez a última das próximas décadas) para a tão desejada convergência europeia do nosso País após 20 anos perdidos, devemos agir também no sentido de garantir futuro (e dignidade) aos jovens que entram no mercado de trabalho. Remunerar o trabalho não é um favor, é um direito.
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