Xi Jinping provou o sabor amargo, e azedo, da fúria dos seus cidadãos contra as medidas excessivas e brutais de isolamento total por causa do Covid. Levou um sério apertão, e recuou sem mais. Vai a tempo de controlar a fúria dos chineses, em especial das gerações mais novas? Só o tempo dirá, mas desta vez as manifestações também incluíam um forte protesto político contra o domínio único e secular do Partido Comunista Chinês.
O Covid, que nasceu na China, e que vitimou milhões, é o vírus que está agora a infetar o seu invulgar modelo político: total abertura e liberdade económica e financeira, mas feroz controlo político e mediático. Em tese, e de acordo com os melhores analistas de sistemas políticos, esta contradição redundaria, sempre, na extinção do partido único. O livre acesso da população a um mercado aberto e livre, e com meios globais de comunicação, levaria à exigência de total liberdade individual e coletiva. A teoria faz sentido, mas nunca ninguém descobriu quantos anos seriam necessários para ocorrer essa mudança.
Nada aconteceu na China, mesmo que Tiananmen tenha sido uma leve e passageira ilusão dos jovens estudantes de 1989. O regime sentiu-se ameaçado, e usou a força militar para acabar com o movimento, de uma forma brutal e sangrenta. O PCC nunca vacilou em tomar medidas extremas. Tal como agora, com o Covid.
A obsessão pelo confinamento rígido de cidades e regiões, controlado pelas forças policiais, é um exemplo típico do autoritarismo de um regime de partido único. Mas tempos são outros, e a sociedade chinesa está mais resistente a absolutismos e ditaduras, em particular os muitos milhões de jovens que não conseguem perceber o modelo político que vigora no seu país, e que não é comparável aos que conhecem através da internet, e das redes sociais.
Xi, que acabou de ser reeleito para um terceiro mandato, e que tem mão forte e pesada no partido, foi obrigado a recuar dois passos, de uma só vez. E sem nenhuma certeza, para já, de que tem a situação interna controlada. A obediência cega às ordens de Pequim perdeu-se nas ruas, e a própria existência de um partido único foi questionada. O PCC está velho, mas não acabado.
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