O presidente turco, Recep Erdogan, parece genuinamente empenhado em construir um entendimento entre a Rússia e a Ucrânia, que ponha fim à guerra. Ele quer o Prémio Nobel da Paz. Mas terá de o partilhar com António Guterres, incansável na resolução de catástrofes pré-anunciadas, como era o caso da exportação de cereais e fertilizantes, e agora as falhas de segurança na central nuclear de Zaporizia.
Subsiste um problema: que paz? Zelensky não aceita nada que não implique a retirada global das tropas russas, o fim das «repúblicas» fantoches, e o regresso da Cimeia à soberania ucraniana. Sem isto não haverá cessação de hostilidades. Nem diálogo. Nem conversa a dois. Putin, desfasado da realidade, ainda acredita que aguentará a ocupação dos territórios, à custa de todo o sangue russo disponível . É-lhe indiferente.
Erdogan, que anda sempre no fio da navalha, não pode escorregar: nem para o lado de Moscovo, também não para Kiev, e muito menos dar um empurrão na NATO. É uma linha muito fina, e periclitante, de um trapézio político, diplomático e militar muito difícil de atravessar. Ou mesmo impossível. Mas com a ajuda de Guterres, pode ser que encontre o modo de satisfazer as duas partes.
É verdade que Guterres e o presidente turco, se conseguirem desmilitarizar a central nuclear, estarão um passo mais próximos de chegar à paz. Mas para isso acontecer, o tempo é decisivo, e a janela de oportunidade ainda não está aberta. Quando as tropas russas apanharem em cheio com a contraofensiva ucraniana, e as chefias militares de Putin ficarem sem forças nem equipamentos alternativos, então Erdogan e Guterres deverão entrar em cena. E pressionar. E correr de Kiev para Moscovo, as vezes que forem necessárias. E tudo isso estará para muito breve.
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