António Guterres, secretário-geral da ONU, a que pertence a Agência Internacional de Energia Atómica, não poderia ser mais certeiro e direto: confrontos militares junto dos seis reatores da central nuclear de Zaporizhia são um ato «suicida», para as duas partes, e uma brincadeira irresponsável com uma «arma carregada». Na sequência deste alarme mundial, tanto Kiev como Moscovo mostraram disponibilidade para o envio de uma equipa da AIEA. Falta saber quando, como, e se as partes estão mesmo empenhadas nessa monitorização.
Há, nesta brincadeira, um jogo de culpas não assumidas. Ou as tropas russas endoideceram, causando explosões próximas das cúpulas dos reatores, a mando de Putin, ou as forças ucranianas estão mesmo a disparar rockets contra as posições russas, na zona dos reatores. A AIEA tem de entrar em Zaporizhia, e a ONU tem de conseguir que Putin e Zelensky aceitem uma zona desmilitarizada em redor da central. É impensável, e inadmissível, manter esta troca de artilharia e mísseis num espaço que tem materiais nucleares.
Nestes seis meses de guerra, é a primeira vez que a Ucrânia não está a demonstrar bom senso e racionalidade, e os países aliados já fizeram saber isso a Kiev. Os reatores estão controlados pelos russos desde o início da invasão, e qualquer ataque nesse perímetro terá um responsável, e prenuncia uma catástrofe suicidária, como disse Guterres. Qual é o ganho militar para a Ucrânia?
Invocam que os russos estarão a usar o espaço como um santuário para armazenar armas e munições. Até pode ser. Mas com a capacidade e ajuda que as forças ucranianas têm, será mais fácil e seguro cortar essas rotas de abastecimento, muito antes de Zaporizhia. Não vale a pena repetir que se está a criar pânico na Europa – com os romenos a serem aconselhados a comprar comprimidos de iodo – mas conviria, com seriedade e sem pressões políticas, que os técnicos e cientistas da AIEA, e outros peritos independentes, explicassem os riscos e as fragilidades dos complexos sistemas de uma central nuclear, em particular os locais sensíveis e críticos que não têm a proteção das cúpulas de betão e aço, mas que podem desencadear a fusão nuclear, que contaminaria toda a Europa. Brincar com uma arma carregada é suicídio, mas também homicídio global.