A central nuclear de Zaporizhia, com seis reatores, está nas mãos das tropas russas desde o início de março. A parte administrativa, mais afastada, é controlada pelos ucranianos. Significa isto que a linha da frente é quase impercetível, pouco demarcada, e muito instável. Uns disparam contra os outros, e o perigo real de um incidente grave está no topo das preocupações da Agência Internacional de Energia Atómica. Os alertas são constantes.
Kiev e Moscovo trocam acusações sobre a responsabilidade dos disparos e explosões em redor da central, mas é muito difícil perceber quem está, verdadeiramente, a atingir alvos muito próximos dos reatores, e dos armazéns de lixo nuclear, que está selado em contentores. A primeira e grande preocupação é que nenhuma das partes destrua os sistemas críticos dos reatores, não protegidos pelas cúpulas de várias camadas de betão, como o circuito de arrefecimento dos núcleos (a causa primária da explosão em Chernobyl).
Por outro lado, é importante desmistificar o cenário apocalítico de uma explosão nuclear desencadeada por esta troca de mísseis e rockets entre russos e ucranianos. Mesmo que um míssil atingisse um reator, hipótese quase impossível de acontecer, com a proteção da cúpula, e testada para vários tipos de impacto, até com um avião a bater diretamente, nunca se desencadearia uma explosão nuclear: o Urânio nos núcleos não está enriquecido acima dos 5%, limite acima do qual, muito acima, poderia ser usado em armas.
O drama, contudo, não é menor, e Chernobyl é uma lição para as duas partes: um reator destruído, e a céu aberto, contamina mortalmente num raio de centenas ou milhares de quilómetros. Nenhuma das duas partes sairia viva e saudável dessa catástrofe. A Rússia, Bielorrússia e todos os países europeus seriam atingidos por essas poeiras radioativas, para não falar, obviamente do «ground zero», que é a própria Ucrânia. Se a ONU e Turquia conseguiram um acordo para o transporte de cereais, é altura de forçarem um entendimento nesta central nuclear, transformando-a num espaço desmilitarizado, para as duas partes.
A verdade, contudo, é que não estaria fora do seu guião, se Putin mandasse lançar mísseis de grande precisão para áreas perto dos reatores, para causar alarme e medo em todas as capitais, obrigando-as a tentar vergar Zelensky. O «Assassino do Kremlin», como lhe chama o reputado jornalista britânico John Sweeney, num livro agora lançado, é um déspota fascista, travestido de nacionalista, indiferente à morte de civis e militares russos, ucranianos, ou de qualquer outra origem. Não sendo uma arma nuclear, Zaporizhia pode causar destruição maciça, a curto e longo prazo.
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