Sergey Lavrov, tal como Putin, achou que este secretário-geral da ONU, António Guterres, era como todos os seus antecessores: quieto, calado, manobrável e sem poder. Saiu-lhes o «joker». Na conferência de Imprensa conjunta, Lavrov repetiu, à exaustão, os indecorosos argumentos da Rússia para invadir a Ucrânia, tentou colocar a ONU no bolso, dado o seu estatuto de membro fundador e permanente, e achou que Guterres nunca seria uma fonte de tensão frente aos jornalistas. Azarados, os dois. Putin, depois, deu-lhe a habitual xaropada, na mesa gigantesca, e intimidante, mas as cartas estavam jogadas.
«Há um facto verdadeiro e óbvio: não há tropas ucranianas na Federação Russa, mas há soldados russos na Ucrânia!». Lavrov engoliu, ficou roxo, e sem pulsação visível. Esperava tudo, menos um secretário-geral da ONU que dissesse umas verdades na sua cara, e na pomposa sala do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo. Correu tudo mal, para o Kremlin.
Pouco importava se Guterres iria primeiro à Rússia, e só depois a Kiev, mas o que teria de ficar claro, e visível, para os jornalistas russos e internacionais, era a posição frontal e direta do secretário-geral sobre esta guerra – que não existe para Lavrov -, baseado nas resoluções da Assembleia Geral e também na Carta das Nações Unidas. «Há duas posições diferentes», disse Guterres. A historieta russa, e a condenação frontal da ONU à invasão territorial da Ucrânia. Melhor era impossível, em Moscovo.
Guterres está no seu segundo e último mandato, já tem anos de experiência das manobras diplomáticas na ONU, e sabe bem o que é uma invasão e uma guerra desumana e impossível de justificar. Tem usado a sua influência e cargo para resolver algumas, ajudar com forças de paz, e exigir o respeito integral pelas populações afetadas. Nunca esqueceremos, que como primeiro-ministro de Portugal, Guterres conseguiu que Timor fosse livre e independente.
Lavrov, Sergey, que tem sempre uma cara inexpressiva, fale de bifanas ou de armas nucleares, ficou lívido, inquieto, e incapaz de soletrar. António Guterres, com a calma que conhecemos, colocou o poderoso MNE russo no seu lugar. Que é o mesmo onde está Putin: encurralado e sem trunfos, nem troféus.
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