Está por adivinhar, por perceber, por traduzir, a fábula política entre a detenção de João Rendeiro, na África do Sul, e as nossas eleições de 30 de janeiro. Certamente que o líder do PSD, Rui Rio, terá imensas oportunidades para elaborar sobre essa ideia. Por agora, a ligação prende-se com o facto de o diretor da PJ ter sido convidado, e ouvido, por todas as televisões nacionais, e outros órgãos de comunicação, num momento de inquestionável vitória e reconhecimento público pela atuação da Polícia Judiciária. Mal estariam as televisões se não o convidassem.
Para a PJ, e para todo o nosso sistema de Justiça, a prisão de Rendeiro, de pijama e boca aberta, foi uma demonstração, muito rápida e eficaz, de que nunca desanimaram, e nunca se deixaram abater por uma fuga mediática, desafiadora, de um homem instalado em hotéis de luxo, banhado em dinheiro, e a gozar com os portugueses. Como é que Rendeiro achou, pensou, e acreditou, que estando na África do Sul, ou no Alasca, nunca seria apanhado?
Quando Rendeiro fugiu, explicando que só voltaria ilibado, ou com um indulto presidencial, o país político e mediático disse as piores coisas da Justiça. Incompetentes, desgraçados, nabos, e por aí abaixo. Nem valerá a pena recordar. Dois meses e meio depois, às 5 horas da manhã, num luxuoso hotel de Durban, Rendeiro, a pensar no «room service», ovos escalfados e café forte, dá de caras com a PJ, e a polícia sul-africana. Que grande patifaria. Isto não se faz a quem só conseguiu escapar por 70 e poucos dias. Não é justo, pensou.
Cabe, agora, à Justiça sul-africana, apreciar e decidir sobre o processo de extradição. Por muito que esperneie, e recuse, e contrate os melhores advogados, João Rendeiro vai ter de resolver uma equação inesperada: prefere uma prisão sul-africana, ou portuguesa? Um dado é certo: já ninguém o larga, ou perde de vista. E também não vai ser indultado, ou ilibado. A nossa Justiça funcionou, a PJ foi excelente, e a cooperação internacional, e das autoridades sul-africanas, exemplar.
Só resta uma grande incógnita, que ficará por explicar: por que razão Pretória, e a Justiça e polícia sul africana, se sentiu pressionada com o 30 de janeiro? E a Interpol? E as polícias de outros países? Será que eles também vão votar? Serão militantes do PS? Um imenso erro cometeu João Rendeiro: só deveria ter fugido depois das eleições.
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