Pela primeira vez, objetivamente, o Governo está sem nenhum entendimento à esquerda para viabilizar o Orçamento. O primeiro-ministro está preocupado, disse, mas acredita, como sempre aconteceu, que terá os votos necessários para fazer passar o seu terceiro OE, desta legislatura. O Presidente reafirmou que não gostaria de usar o seu poder de dissolução do Parlamento, e que deseja estabilidade até 2023, mas não está nas suas mãos conseguir um acordo parlamentar.
A situação é extraordinariamente bizarra: o Governo vai apresentar o seu Orçamento para 2022 aos partidos na Assembleia, e será muito curioso perceber, publicamente, a reação dos partidos à esquerda, que estão muito longe de uma fase negocial. O PCP está em reflexão, inquieto com a permanente aproximação ao PS, e o Bloco limita-se, por agora, a dialogar com a equipa governamental, mas deixando sempre tudo em aberto.
É evidente que as autárquicas estão a pesar a todos, em particular ao PS e Governo, e o resultado disso está neste aparente impasse político. A questão, agora, é saber se os partidos à esquerda arriscarão a queda deste Governo. Não parece nada evidente, nem provável, mas esse cenário está na cabeça de todos. Ninguém quer ser culpado de uma crise, e nenhum deles deseja, nesta altura, uma ida a eleições, com um PS no papel de vítima, e invocando a desgraça para o cumprimento do PRR.
Marcelo não quer confusões, mas na verdade este poderá ser o último Orçamento de Estado deste Governo minoritário. Há cansaço, e crescem os sinais de que os portugueses querem uma mudança. O problema é que ainda não existe uma alternativa, e essa preocupação é também dos partidos que estão à direita dos socialistas. Nem eles desejariam, nesta fase, ou em 2022, testar o eleitorado em legislativas. Somando tudo, o país político vai entrar na sua fase mais desconcertante: ninguém quer, mas ninguém se atreve. Por agora.
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