António Costa está irritado com o Governo de Boris Johnson. Portugal não pode estar dependente do turismo britânico, disse António Costa, numa iniciativa partidária. Este desencanto ganha ares de indignação no Governo, sendo que o primeiro a reagir e a não compreender foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva. Vale a pena tanta irritação com Londres? Não, e por uma razão: é uma fantasia, e por isso sem nenhuma correspondência nos dados, que os turistas britânicos sejam o maior e o mais esmagador mercado para Portugal. Já foi.
Tão importantes como os britânicos são os espanhóis, os alemães e os franceses, sendo que este ranking vai alternando em função dos anos. Mas não é Londres que nos mata. Longe disso. Se tudo estivesse bem com os outros três países, Portugal quase não daria pela falta dos britânicos. Pois é. A equação está invertida: como os outros mercados não arrancam, os ingleses eram uns milhares que ajudavam no exagerado otimismo do Governo. Foram-se. Depois voltam.
O nosso drama, o que está subjacente a tudo isto, é que temos um país cujo negócio fundamental (core) é o turismo, e tudo o que se movimenta em redor, e com uma pandemia – que nunca tínhamos vivido – ruiu esse castelo de cartas. A Covid deixou-nos despidos. Nus, mesmo. Está tudo, ou quase, até as exportações, dependentes deste fluxo migratório sazonal, que numa crise como esta deixou-nos sem dinheiro, sem negócio, e sem saída.
A culpa não é dos britânicos, ou do Governo do querido Boris. É só nossa, e não foi por falta dos biliões de euros vindos da Europa, ao longo de décadas. E mais chegarão, para serem rebentados em setores não vendáveis externamente. Não é culpa deste Governo, mas da nossa mentalidade de apostar tudo, ou só, no turismo. E o pior, pressente-se, é acreditar que vai voltar a ser como dantes. Não é chegado o momento de o Governo deixar de acreditar em fantasias? De parar e olhar para o país e para os portugueses?
Este Governo está visivelmente cansado, sem ideias, sem planos nem soluções, e furiosamente a escavar o poço em que estamos metidos. Alguém tem de os tirar do buraco. Os avisos gritados chegam de todo o lado, e eles, já abaixo da linha de água, continuam agarrados à pá e à picareta. Estamos quase a chegar ao PIB de 3 por cento, é o que se ouve das profundezas.