Portugal baldou-se à compra da Tiara de diamantes de D. Maria II, que foi leiloada por 1.3 milhões de euros. Era só uma tiara, dizem alguns. Era o que falta gastar esse dinheiro, proclamam outros. Era, de facto, uma simples tiara – muito bonita – mas deveria ter para nós um valor incalculável: fazia parte do nosso tesouro nacional, as joias da Coroa, e deveria regressar ao Palácio da Ajuda. Tanto dinheiro que o Estado rebenta, todos os dias, cuja finalidade é um enigma, e não há 1.3 milhões de euros para recomprar o que era de Portugal?
Este miserabilismo faz aflição. Não é de agora, em boa verdade, mas sempre nos atirou para baixo, sempre nos diminuiu, sempre nos colocou no fim do pelotão. Não há melhor exemplo, e adequa-se bem à Tiara de D. Maria II, que deixámos fugir, do que a vergonha secular de o nosso mais ilustre Palácio, o da Ajuda, nunca ter sido acabado. Diz bem da nossa pequenez. E o mais ridículo, e humilhante, é que este palácio inacabado, só com metade construída, é o local de receção de chefes de Estado, de jantares de pompa, de reuniões de Conselhos de Ministros e de posses de Governos.
Mas a ausência do nosso Estado no leilão da Tiara de D. Maria II é tanto mais inexplicável quanto daqui a muito pouco tempo, e à custa da taxa que sacamos aos turistas, vai ser inaugurada a ala que faz de conta que encerra a obra inacabada, e onde vão estar expostas as joias da nossa Coroa, o único tesouro que temos. O projeto até é bonito, a mistura de estilos muito interessante, mas foi o remendo possível para o nosso «verdadeiro» Palácio Nacional. Que diriam os ingleses se metade de Buckingham estivesse por acabar? Há séculos.
Voltamos ao princípio: qualquer português pode fazer uma lista infindável de milhões de euros gastos pelo Estado, todos os dias, sem ninguém perceber, nem o Estado (essa entidade fungível), a finalidade e o resultado. Só por inércia, à vontade, vão muitos milhões. Mas para comprar a Tiara, ou recuperar a degradação evidente do Palácio da Ajuda, não há um euro. O ridículo supremo é que agora vamos ter uma pequena ala nova, com as joias, e o Palácio, o verdadeiro, a desfazer-se pouco a pouco.