Era só o que nos faltava: quem quer uma Justiça assim? Que vergonha é esta? Um juiz contradiz outro juiz? Onde é que já se viu um juiz humilhar os procuradores? Não estudaram todos no mesmo sítio? A que título, já agora, é que um juiz tem de se pronunciar? E fazer despachos de pronúncia? Isto exige uma petição pública, um referendo nacional, uma consulta urgente aos portugueses. Mal vai o país, e o regime democrático, que aceita que um juiz, um só, ainda por cima, despronuncie o que já foi julgado, transitado e encerrado pelos portugueses. Isto é uma ofensa. Julguem esse juiz. Metam-no numa prisão.
Claro está que acreditamos na Justiça. Todos os dias, em todos os lados, e vindo dos maiores e menores, juramos que a Justiça é sagrada. Não é um dogma de fé, uma iluminação divina, mas todos garantem acreditar nela. Esse assunto está arrumado. Nada mais a dizer ou contestar. A única coisa que chateia, que irrita, que desvaira, que insulta, são as decisões que não coincidem com o juízo final, sem apelo, dos dez milhões de juízes que temos em Portugal. Melhor dizendo: 10 milhões de juízes, procuradores, conselheiros, advogados e tudo o mais. Assim não pode ser. E logo no processo, ou operação, ou coisa parecida que se chama Marquês. Que raio de nome, já agora. Alguma razão para não ser Duque, ou Conde, ou Príncipe?
Uma Justiça assim, que não é popular, não é justa. Nem é Justiça. Nem para um lado, nem para o outro. Senão vejamos: um juiz popular, Carlos Alexandre, mandou prender um ex-primeiro-ministro, com base em fortes indícios de corrupção passiva, e mais alguns que nela teriam participado ativamente. Durante sete anos, (7), o Ministério Público (MP) explorou e percorreu todas as pistas, todas as teses, investigou, escutou e analisou todos os dados, recolheu todas as provas possíveis, e acusou pesadamente 28 arguidos, de terem cometido quase 190 crimes graves. Muito graves em qualquer circunstância, e muito mais graves porque envolviam um ex-primeiro-ministro. Nos mesmos 7 anos, todos os portugueses, ou quase todos, tendo acesso aos dados do processo – porque o segredo de justiça é uma lei sem razão para existir – apreciaram os factos, ouviram as escutas, analisaram as provas e fizeram o julgamento de primeira instância, que foi confirmado em segunda instância, e terminado na terceira e quarta.
Tendo sido assim, como deve ser sempre, como é um outro juiz nada popular, Ivo Rosa, teve a desfaçatez, a insolência, o atrevimento de arrasar, desfazer, mutilar, ponto por ponto, as acusações dos crimes mais graves, das alegadas redes criminais, das intenções e motivos, não pronunciando a maioria dos arguidos, não carimbando as acusações dos três crimes de corrupção mais graves, por falta de indícios claros. E pior, por terem prescrito. Falta de provas diretas e indiretas? Prescrição? Como pode ser? Tudo isso foi verificado, confirmado e deduzido pela Justiça. A popular. É o fim do mundo. Que fúria. Que raiva. Que gana. Desde quando é que um juiz se pode sobrepor à condenação popular? Isto é o quê?
Qual instrução qual quê? Qual contraditório? Qual a ideia de dois juízes? Qual ceguinha e justa? Qual poder independente? Torturem esse juiz. Entreguem-no ao SEF. E é por isso mesmo, que amanhã, pela fresquinha, esta coluna vai voltar a Sócrates, os megaprocessos, aos juízes e às tolices deste caso. Nada disto acabou aqui. Isso é certo!