Interrogações prévias: o confinamento geral está a resultar, nenhuma dúvida, mas os atuais números de contagiados não parecem estar a bater certo. É uma descida demasiado abrupta. Estão a fazer o mesmo número de testes, ou reduziram bastante? Há outra pergunta inquietante: por que razão estão a morrer mais pessoas em casa? São os danos colaterais do sofrimento ético? As escolhas de quem fica num hospital e quem vai para casa morrer?
O carnaval político chegou mais cedo ao Senado americano. Com pompa, devagarinho, o cortejo saiu da Câmara dos Representantes transportando, em pastas pretas, cerimoniosamente, os artigos de destituição de Trump, que vão agora a julgamento dos 100 senadores. Durante as primeiras quatro horas, o debate centrou-se na constitucionalidade deste «impeachment», que não tem sujeito, pessoa, presidente a que se aplique. A maioria simples do Senado vai garantir que está na lei fundamental, com o apoio de quatro ou cinco republicanos, e com essa votação o Senado transforma-se em tribunal, mas para um julgamento político. Que vai dar em nada. Não havendo presidente em exercício, também não existem dois terços de senadores para aprovar esta «coisa» sem nome.
O ódio cego, irracional e persistente dos democratas contra Trump é, por agora, o único fator que liga as várias tendências, sejam elas as tradicionais ou as mais extremistas. É um cimento que parece forte, resistente, mas que pode rachar no próximo ano e dez meses. É que em Novembro de 2022, toda a Câmara e um terço dos senadores vão outra vez a votos, e parece difícil que essa causa comum ainda tenha impacto no eleitorado. Trump serve agora de bóia, mas vai ao fundo se todos se agarrarem a ela.
A Câmara dos Representantes está parada, com o país numa crise sem precedentes, tanto sanitária como económica, o Senado distraído com esta espécie de julgamento, e o novo presidente centrado em revogar as ordens executivas do anterior. Por agora ninguém se mexe, que não seja descobrir a fórmula para arrumar com Trump, de vez, e sem qualquer pretensão futura. E há republicanos, poucos, apostados nisso.
Espantosamente, contudo, e mesmo sem o Twitter, nem outra rede social, a omnipresença de Trump faz-se sentir pesadamente em Washington, no Congresso e na Casa Branca. A presidente do Partido Republicano dizia, há dias, que o ex-presidente é a figura mais atrativa do partido, e isso é bem visível no Senado, onde a maioria substancial de republicanos vai votar contra a «destituição», dando um sinal de que a força eleitoral do ex-presidente ainda mete medo ao partido.
Mas ódio com ódio se pagará, um dia destes. A massa que une os democratas é a mesma que mantém os republicanos ligados. E quanto mais tempo os democratas andarem distraídos, sem governar, nem executar, nem legislar, pior será o resultado em 2022. Agora eles têm tudo, a Casa Branca e o Congresso, e as loucuras de Trump deixarão de servir de desculpa. A política americana é um estado de vida, um modo em funcionamento perpétuo: sempre em campanha, sempre em eleições, e sempre em teatros políticos.