Na primeira vaga pandémica achei, tinha a certeza, que Marta Temido tinha o «factor Churchill», pela forma rápida e firme como respondeu a uma crise inédita, para a qual ninguém foi preparado. Disse, também, que a ministra da Saúde, quando tudo acabasse, merecia uma alta condecoração do Presidente da República, em nome dos portugueses. Na verdade, é preciso reconhecer, todos achávamos que o assunto estaria resolvido em meia dúzia de meses. Era muito bom, mas não foi.
Com o tempo, com os altos e baixos, com decisões precipitadas, algumas erradas, e outras muito boas, a imagem de Marte Temido começou a ficar mais turva e menos nítida. Para mim acabou-se logo a condecoração. Nem pensar. O que mais afligia no seu discurso, e é ela que comanda a linha da frente, era não ser completamente direta e clara sobre as nossas capacidades, e não assumir a catástrofe do SNS. «Estamos à beira», «estamos quase», «estamos a ficar sem saídas». E só isto para não falar do Natal, nem da decisão inicial de um confinamento a brincar.
Agora, com a entrevista à «Visão», que é mesmo grande em conteúdo, e excelentemente conduzida, refiz a minha imagem de Marta Temido. As entrevistas em papel têm um efeito que nenhum outro suporte pode dar: tempo, espaço e profundidade. E isso é muito nítido nesta conversa. O resultado, acho, é uma Marta Temido determinada, sagaz, experimentada nas piores batalhas, hiperativa, e fortemente convicta que vamos sair vitoriosos desta guerra.
Uma outra caraterística ressalta desta entrevista. Talvez a melhor: a humildade. É genuína, verdadeira, transparente no reconhecimento dos erros, que todos cometemos todos os dias, e na aceitação pública dos nossos medos pessoais e públicos, que teve a grandeza de título: «Tenho, como todos nós, o receio que isto não acabe». Esta naturalidade, esta simplicidade só existe em quem não acha que domina tudo, que sabe tudo, e que é melhor em tudo. É tranquilizador. Ela sabe, nós sabemos, que isto vai ficar controlado. Basta isso. Acabar, para um vírus, é um verbo que não existe. Afinal, pensando melhor, ela merece mesmo uma alta condecoração nacional. Ou a mais alta. No momento certo. Que podia ser já este ano. Era um bom sinal.