Não é a pandemia, que foi desastrosamente conduzida pela Administração, mas parece cada vez mais evidente que a partir do dia 20 se vão aprofundar as divisões políticas nos Estados Unidos, que poderão ser “o fim do princípio” de uma escalada divisionista muito difícil de travar. O assalto ao Congresso foi o ato desencadeador de uma profunda rutura nos equilíbrios políticos e institucionais. Sem dúvida que Trump foi a granada que explodiu por loucura própria, mas o que está a acontecer, em duas situações, vai extremar o país, o que não ajuda nada um novo presidente, que quer ser conciliador.
1 – O poder das redes sociais, ao bloquearem as contas de Trump, e de alguns republicanos, vai ser, tem de ser, escrutinado pelo Congresso, que também está obrigado a regular e a vigiar decisões que possam pôr em causa o direito fundamental da liberdade de expressão. Apagar alguns mails de Trump até parece, ou pode ser, justificável (em casos muito excecionais, e mesmo assim com grandes dúvidas), mas apagar consecutivamente, ou acabar com as contas, e não permitir expressar as suas opiniões, por muito loucas que sejam, não é sustentável. Os democratas estão caladinhos, porque lhes dá jeito, mas esse poder pode virar-se contra eles, um dia destes. Uma decisão destas não une os americanos, e não ajuda os partidos tradicionais a absorver o eleitorado extremado que caiu para Trump. O que as redes sociais estão a fazer é aquilo que Trump quer: tornar-se a vítima e o mártir desses oligarcas das redes, que não prestam contas a ninguém.
2 – A Câmara dos Representantes, e toda a ala esquerdista da nova vaga, e alguns republicanos, que precisam de defender os seus lugares daqui a dois anos, e na expetativa de que o movimento de Trump desapareça, fez um ultimato a Mike Pence para invocar a 25ª adenda constitucional, para destituir o Presidente. Se não aceitar, e não vai, Pelosi vai desencadear um novo processo de destituição ao mesmo presidente (histórico), a oito dias de terminar o mandato. Em vez de o deixarem sair de cabeça baixa, e sem fanfarra, está montado um circo para o tornar politicamente “imortal”, e capaz de rejuvenescer nos próximos quatro anos. É o segundo erro, que dá uma força inesperada, e não desejada, ao quase ex-presidente. É desta forma que os extremos dos dois partidos vão chocar violentamente, e a cena triste como o assalto ao Congresso pode ter sido, de facto, “o fim do princípio”. A raiva não é boa conselheira.