No próximo dia 14 de dezembro, quando o Colégio Eleitoral eleger Biden como 46º presidente dos EUA, vamos ver o que vai fazer Trump. Já disse que vai sair da Casa Branca, numa birra inédita, mas foi uma daquelas reações tipicamente irritadas em resposta a uma jornalista. O que está em aberto é saber se é nesse mesmo dia que deixa a Casa Branca vazia. Continua a ser o presidente em exercício, mas pode desempenhar a função em qualquer local dos EUA. Na Flórida, por exemplo, para onde vai viver. A curiosidade não é reconhecer que tem de sair da Casa Branca, a 20 de janeiro, mas o ênfase colocado na expressão: se o elegerem, saio daqui. Mais uma fanfarronice?
Parece impossível um gesto desses, mas Trump está profundamente desanimado, furioso, e incapaz de uma atitude de bom senso. A tradição é simples, mas não com este presidente. Acha um golpe o que o Colégio Eleitoral vai fazer, e só lhe resta abandonar, em fúria, o símbolo da Presidência americana.
Até agora, Trump fez tudo ao contrário. Não concedeu, não falou com Biden, aceitou que se iniciasse o processo de transição, diz que abandona a Casa Branca, não a 20 de janeiro, mas eventualmente já daqui a duas semanas, e ninguém sabe, de todo, se vai estar ao Capitólio para assistir ao juramento do novo presidente. Já há senadores republicanos a pedirem para não faltar.
Se sair a 14, a Casa Branca fica vazia? Sem luz? Sem vivalma? Um palácio fantasmagórico? Longe disso. Fica apenas sem o presidente e a mulher. A Casa Branca tem uma vida muito própria, que nunca descansa, e que nada tem a ver com a política ou com o presidente em exercício. Mais de 100 pessoas trabalham na residência presidencial, no 2 e 3º andares, e tratam de tudo o que a família precisa. Nos andares de baixo, na Presidência e os seus inúmeros serviços, existem outras centenas de pessoas, tradicionalmente enviadas pelos ramos das Forças Armadas, que fazem a ligação entre o staff político e as necessidades do dia a dia.
A melhor descrição da Casa Branca, dos seus segredos, e da vida privada da família presidencial, foi feita por Kate Anderson Brower, jornalista da Bloomberg acreditada na Presidência. É um mundo desconhecido, a começar pela sua dimensão. De fora parece ter apenas três andares, mas na verdade são seis e mais duas mezanines, e dois em caves. Claro que ainda tem o andar subterrâneo da sala de crise, e um bunker contruído no final da II Guerra Mundial. São 132 divisões, 147 janelas, 28 lareiras, 8 escadarias e três elevadores.
A Casa Branca, em boa verdade, é o mais luxuoso hotel do mundo, mas apenas ocupado por uma família. E para que se saiba, os presidentes pagam mensalmente todas as despesas e serviços que lhe prestam, e à família e amigos ou convidados, desde o tratamento da roupa, à utilização dos mordomos, dos cozinheiros, a compra de alimentos e, até, a empresa que faz as mudanças de objetos pessoais de um presidente para outro. O custo é tão elevado, que não há primeira dama que não peça ao secretário geral, tradicionalmente um oficial ao nível de vice-almirante, para reduzir as despesas mensais. De Trump não se sabe, claro. Mas se sair, já a 14 – estamos para ver! – poupa à grande até às 11 horas de 20 de janeiro.
É esta a pompa que faz o mito do «símbolo mais poderoso e duradouro da Presidência» americana, escreve Kate Brower. Um livro fascinante publicado em 2015, e lançado em Portugal em 2016. De leitura obrigatória, para se perceber o que custa entrar, e muito mais sair, da Casa Branca.