A mágica e o fascínio das presidenciais ofuscam, completamente, os resultados da Câmara dos Representantes e do Senado, os verdadeiros centros de poder nos EUA. Um presidente sem maiorias no Congresso não consegue mexer-se, nem cumprir nenhuma das promessas que fez, e mesmo com a maioria tem sempre de fazer um jogo de equilíbrio muito complicado. É aqui que se define quem manda.
E por agora, espantosamente, também não há vitórias retumbantes, como estava previsto por todos os oráculos. Na Câmara dos Representantes, cuja vantagem democrata era suposto aumentar, com números robustos, não é o que está a acontecer. Até agora os republicanos perderam dois lugares, mas tiraram cinco aos democratas. A speaker está em risco, não pelo seu resultado eleitoral na Califórnia, mas pelo seu próprio partido. Nancy Pelosi, que odeia Trump – diz ela que não fala com o Presidente há mais de um ano – terá muitas dificuldades em manter-se como speaker, o terceiro cargo mais importante nos EUA, com estes resultados. Ela garantiu que a maioria iria crescer, humilhar os republicanos, e o resultado é o oposto. Nem cresceu, nem humilhou.
Convém lembrar que Pelosi, em 2018, quando a Câmara passou para o controlo democrata, já teve uma grande contestação interna por se candidatar a speaker, uma vez mais. As razões invocadas eram simples e claras: estava a entrar uma nova geração de democratas, mais à esquerda e mais reivindicativa, e tinha chegado a hora de dar lugar a outros. A senhora tem 80 anos, visivelmente cansada e desgastada, e dificilmente será escolhida pelo partido para liderar a Câmara. De alguma forma passou de prazo, e os democratas não lhe perdoam ter perdido representantes.
Com uma maioria encolhida, os democratas já estão a pensar nas eleições de 2022, onde teoricamente os republicanos poderão ganhar. A Câmara dos Representantes tem uma exigência nunca vista: de dois em dois anos, os 435 representantes vão a votos, o que os obriga a uma campanha permanente e alucinante, e a um escrutínio pressionante dos seus eleitores.
Se na Câmara é isto, no Senado é pior. Todos juraram, democratas, sondagens, media e analistas, que a maioria republicana no Senado, escassa, iria acabar. Não aconteceu, nem está para acontecer. Mais uma chatice, mais uma desilusão. A noite de foguetes e glória, do três em um (Presidente, Câmara dos Representantes e Senado, todos democratas) já não vai acontecer. Pelo menos no Senado. E entre os representantes democratas ainda vai correr sangue e lágrimas.
Estava montado o circo para o espetáculo do século, a eleição da década, a noite da aniquilação, e saiu tudo furado. Biden pode ser presidente, mas a grande custo, Pelosi já esgotou a validade, a Câmara democrata encolheu, e o Senado continua republicano. Tudo junto não dá para grandes festanças.