Nas eleições presidenciais para o segundo mandato de Clinton, fui enviado especial do DN, durante quase um ano, em Washington, para acompanhar essa corrida louca de 1996. Só estando lá, entrando nesse circuito, que vai das primárias ao dia da votação, é que se tem uma noção aproximada da exigência extraordinária, física e mental, que se coloca aos candidatos, staffs diretos e de campanha, jornalistas, serviços secretos e um sem número de outras pessoas que habitam essa roda gigante. É de morrer.
E pior ainda para quem vem de um país exíguo, que se percorre, de norte a sul, em poucas horas. As primárias são um género de aquecimento de ginásio para a grande prova, embora muito exigente, que requer muito dinheiro e desempenho acima da média. É sempre uma corrida contrarrelógio, para que um deles chegue à Convenção, que não é mais do que uma festa aclamatória. E festa da rija, que dura três dias, mas envolve milhares de pessoas. Eles são delegados, familiares, apoiantes, e muitas centenas de jornalistas, que se organizam numa minicidade, dos media, porque é mesmo uma cidade, particularmente preenchida pelas fabulosas equipas das grandes e pequenas estações de televisão e rádio de todo o mundo. Os números, sem grande exagero, eram iguais ou superiores ao dos delegados. Só para se ter uma ideia.
Proclamado o candidato a presidente e o vice, lançam-se de imediato na mais longa e difícil campanha eleitoral, em que o único meio de deslocação é o avião. Muitos. E custam milhões. É, acreditem, uma verdadeira loucura acompanhar o candidato que quer derrotar o presidente em exercício, que vai a pequenas feiras agrícolas, a pavilhões médios, e a comícios abertos. A grande exigência, ou desafio, está na grandeza territorial dos EUA. Um continente com dois oceanos, e os candidatos percorrem quase todos os estados, e alguns mais do que uma vez.
Mas quando se passa para a campanha do presidente, então a grandeza, o aparato, e a loucura assume outras dimensões. Fazer, num só dia, quatro ou cinco comícios, em estados diferentes e distantes, é entrar noutro planeta, e poucos são os privilegiados que aguentam esse ritmo frenético. Um dia, um só dia, com a campanha de Clinton, obrigava a um percurso e a uma exigência que só é possível perceber, se fizermos de conta que tudo acontecia aqui, à escala da Europa. Às 6 da manhã, dois aviões, o «Press Plane» e o »Air Force One», levantam de Lisboa, e duas horas depois estão em Paris. Aí, todos integrados nas rápidas caravanas dos serviços secretos e polícias locais (a bolha), o presidente fala durante 30 minutos num pavilhão carregado de apoiantes, e cheio de mordomias para os jornalistas. Buffet, e todas as capacidades de ligação disponíveis. Para todo o mundo. Para todos os dispositivos. Às 9 horas os aviões já estão a levantar voo, o Press Plane sempre em primeiro lugar, e vão para Londres. Nova corrida, novo comício. Às 12 horas, ainda meio dia, outra vez no ar em direção a Berlim. É preciso acrescentar, já agora, que o Press Plane também tinha tudo para utilização dos jornalistas: linhas para todo o tipo de comunicações, mesas cheias de comida (sim, num avião) e ninguém preocupado com os cintos de segurança. Parecia uma carruagem de 1ª Classe do TGV. Às 16 horas está tudo feito em Berlim, e nova partida, mas desta vez para o quarto comício, à distância de Moscovo.
Mais duas horas de viagem, mais 30 minutos de discurso, mais 15 minutos de percursos super-rápidos. Hiper-rápidos. E para finalizar o dia, de Moscovo parte-se em direção a Roma. Para o maior ajuntamento de apoiantes, fitas, balões, tudo o que pode ter as cores da bandeira dos EUA e o nome do candidato. Aí sim, era visível o cansaço, o esforço físico, a pressão de tantos voos. Final do dia. 20 horas. Uma de duas. Ou se fica em Roma, já com tudo previamente organizado, e no dia seguinte começa tudo de novo, igualzinho, ou levanta-se novamente voo em direção a Lisboa, que é o mesmo que dizer Washington.
É isto, assim mesmo, um dia na vida da campanha eleitoral americana. Um excesso. Um circo. Um deslumbre. Só vivido. Sempre dentro da bolha frenética, numa corrida imparável. Agora somem-lhe mais vinte anos, acrescentem o mundo da informação vertiginosa, juntem muitos mais milhões e está dada a receita do desvario de uma campanha eleitoral à americana.