O Orçamento de Estado é bom. Centra-se muito, e bem, nas pessoas, famílias, reformados, apoios sociais e sustentação do emprego, entre outras dezenas de medidas. Não se percebe, por isso, o que falta à esquerda para o aprovar. Nesta fase, nesta angústia, nesta indefinição é importante e decisivo ter um plano que se preocupe e ajude os portugueses. Mas não há Orçamento sem um senão.
A previsão mais extraordinária dos pressupostos macro do Orçamento de Estado para 2021, é o crescimento do PIB nacional, para 5,4 por cento. É obra. O Governo corrige, para muito pior, a estimativa do Produto para este ano, de -6,9% para -8,5%, sendo que é uma previsão muito otimista quando comparada com a de outras instituições. E de outros países.
Garantir, em outubro de 2020 – no quadro em que estamos, e vamos continuar a estar, no próximo ano – que a riqueza nacional anual vai crescer 5,4% é ilusionismo puro e arrojado. Por três razões dominantes: o nosso PIB, genericamente, resulta do consumo e investimento privado, do consumo e investimento do Estado, e das exportações, sustentadas poderosamente no turismo.
Como a Covid-19 não vai desaparecer na passagem do ano, mesmo que já existam vacinas e medicamentos específicos, o consumo privado não vai ser um fator importante na construção do PIB. O comportamento das pessoas e das empresas continuará a ser muito cauteloso. Isto para não introduzir aqui o efeito dramático do desemprego, lay-off e outras circunstâncias. Mas temos o investimento imobiliário. Pois temos, mas está a abrandar e não chega para cobrir o resto. Por aqui não há PIB que valha.
Sendo assim, o Orçamento aposta no consumo público e investimento. Saúde, Educação, Transportes, Energia e vários outros setores vão gastar e investir, e muito. Tudo isto na suposição de que o dinheiro da União já estará a entrar nos cofres nacionais. Qualquer atraso, ou dúvida, ou travagem em Bruxelas vai mexer connosco. Por aqui, sim, o PIB vai recuperar. Mas com um alerta essencial: não depende só de nós, do Governo, do Estado. Está nas mãos de 26 países, entre os quais os nórdicos. E é apenas uma parcela.
Finalmente as exportações. E nas exportações o Turismo. Quem é que acredita que em 2021, no primeiro semestre, por exemplo, vamos ter aviões carregados de turistas a encher e gastar nas nossas cidades? Estão a ver alguma coisa no horizonte que nos escapa a todos? Então tiramos o turismo, e pomos apenas a componente de bens e serviços que exportamos. Vai crescer mais do que em 2019? Ou a mesma coisa? Como? Quem é que está a comprar, a encomendar, a mandar fazer? Todos os nossos principais parceiros estão como nós: pandémicos, preocupados, sem fôlego. Por aqui não mora o PIB.
Digam-nos, então, como é que em 2021, que é já daqui a dois meses e meio, vamos recuperar, estabilizar, e crescer como nunca. Há décadas, muitas, que o nosso PIB não atinge os fabulosos 5,4 por cento. Nem lá perto. Era preciso um milagre.