O poder fascina, cativa, atrai e dá prestígio. É assim antes e depois de o ter. E os delegados à convenção do Chega só à terceira, por entre lágrimas e ranger de dentes, e ameaças, é que deram a Ventura a direção e a estratégia que ele queria. Isto é o caso típico de um partido formado por uma só pessoa, que tem um resultado inesperado nas legislativas, sobe ao palco mediático e político, e atrás dele vem a ambição, a luta pelos lugares, o desejo de fazer história. Ventura está apaixonado por si próprio, capaz de atravessar oceanos, tempestades, lutas políticas, mas esqueceu-se dos que não querem perder o barco.
Não é novidade. Nunca foi, na história política. Mesmo em Portugal, grandes partidos de poder viveram lutas internas sanguinárias. E se o Chega tanto queria ser antisistema, começou justamente pelo pior da política partidária. Ao subir nas intenções de voto, também aumenta, de imediato, a aspiração a ser deputado autarca, presidente de junta, deputado regional, e toda a cadeia política estatal. É outro jogo, e o Chega, pelo que se viu, já está a trepar pelas árvores.
Convenhamos que também não é muito agradável, e à vista de todos, o presidente dos 99 por cento de votos – em diretas – não ter a Convenção completamente dominada. É um sinal de algum descontrolo, ou de demasiadas vontades e correntes num só partido. O crescimento não tem dor. O que tem é o nascimento, mas essa fase já foi. Ventura tem, antes de mais, de controlar o partido e as inúmeras ambições pessoais. Ou sabe o que quer, e ao que vai, ou tudo se transforma numa confusão, que já matou muitas aspirações e vidas partidárias.
O Chega tem problemas internos, e é um problema para Portugal. Não porque nasceu, mas porque tem um eleitorado extremado, que afinal existe, como noutros países, e a tendência é para ganhar terreno, entre os que já não acreditam no sistema tradicional, no pântano, como chamou Trump (filho dessa insatisfação e radicalização) e desejam soluções extremas. À esquerda ou à direita. Este sim, é um vírus sem cura previsível, que já contagia muitos insatisfeitos, irritados, extremados e saudosos. E a para este vírus não há imunidade de grupo.