Está decidido. O país abre, com as regras já estabelecidas, e Lisboa e Vale do Tejo ficam em banho maria, até dia 4 de Junho. Centros comerciais e lojas do cidadão aguardam, e os ATL estão em ponderação. Há regras especiais para transportes privados, uso de máscara em situação específicas, e o teletrabalho só se aplica em três casos especiais. Feiras e lojas de 400 metros quadrados logo se verá, e só se admitem 10 pessoas por grupo. Espremendo, bem espremido, foi no que deu. Há aqui qualquer coisa de irrefletido.
A primeira questão, não percebida, deste plano, é o esoterismo que envolve o dia 4 de Junho. Porquê 4, e não 10, ou 15, ou 22? O vírus que mata, vai morrer? Os números diários da Direção Geral de Saúde (DGS) vão ser apagados? Qual é o milagre que ainda não nos iluminou? Há aqui qualquer coisa de mágico.
Eventualmente, nunca se sabe, o Primeiro Ministro, a ministra da Saúde, a DGS, e o Governo, em conjunto, acredita, fervorosamente, que no espaço de 6 dias, o número de contagiados baixa, as mortes reduzem, os internamentos aliviam, e a pandemia fina-se. Há aqui qualquer coisa de fantasioso.
O que é que vamos ver, de diferente, que não tivéssemos visto hoje, ontem, a semana que passou? Lisboa e Vale do Tejo tem tudo para piorar, e ainda só estamos a ver os resultados, não completos, da primeira fase de desconfinamento, a 4 de Maio (outra vez 4!) Falta ver a onda da segunda fase, de 18 de Maio, cujo impato nunca poderá ser avaliado antes da segunda quinzena de Junho. Há aqui qualquer coisa de apressado.
Queimar passos, numa pandemia, não é propriamente o melhor protocolo em saúde pública. E muito menos numa região que tem 3,6 milhões de habitantes, a que se juntarão centenas de milhar, todos os dias, que circularão de Norte a Sul. Até agora, a única medida eficaz e cientificamente validada, e comprovada em Portugal, para combater e controlar uma pandemia, é a quarentena, o confinamento. Não há outra, por agora. Há aqui qualquer coisa de imprudente.
Seja como for, está decidido. Sem um medicamento, sem uma vacina, vamos ter de enfrentar, cada um à sua medida, sozinho, o SARS-CoV-2. Vai ser uma espécie de sorte grande. É uma luta desigual, injusta, mas tem de ser. Há aqui qualquer coisa de dramático.
Adenda de 30 de Maio: Marta Temido, a ministra que se indignou, há umas semanas, para justificar a primeira fase do desconfinamento, foi perentória, na altura, numa afirmação: o R0 médio do país está abaixo do 1, e por isso podemos abrir. O número 0,7 de transmissibilidade não tem nenhum valor científico, vincou. O que conta é estar com menos de 1. Boa. Ainda bem. Que descanso. Hoje, na conferência de Imprensa, comunicou o seguinte: o R0 médio nacional é de 1.02, o de Lisboa e Vale do Tejo é de 1,05, a taxa de letalidade média é de 4.3%, sendo que sobe para os 17% para pessoas acima dos 70 anos. Perentória, uma vez mais, concluiu: «Lisboa é o último reduto da infeção», e por isso vamos lançar os médicos (a cavalaria) para as ruas. Um género de Napoleão, que no último e decisivo momento de uma batalha, lançava a sua Guarda Imperial, os melhores dos melhores, a reserva estratégica, que aniquilava os últimos redutos. Temido não é Napoleão, nem se sabe se este último reduto é Austerlitz, ou Waterloo. É a diferença entre uma grande vitória, e uma desastrosa derrota. Sendo tão direta, e clara, e incisiva, a ministra da Saúde só tem de dizer uma coisa simples, para não nos tomar por parvos e imbecis: o país, por razões económicas e financeiras, tem de abrir, independentemente dos contagiados e mortos, ou do R, ou do L, ou de tralha parecida. A transparência não mata, senhora ministra. Só engrandece.