Quase a atingir doze meses de guerra, o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, que praticamente todos os analistas asseguravam ser de curta duração, não dá mostras de terminar.
Os ataques sucedem-se a um ritmo e numa escalada a cada dia mais violenta, mostrando o que o Ocidente em geral e a Europa em particular se recusam a aceitar: a Ucrânia está nitidamente a perder esta guerra.
Aliás, se é certo que num confronto a noção de vencedor e vencido é sempre muito discutível dependendo do ponto de vista que se analise, no caso que vivemos, essa separação é ainda mais difícil e sobretudo mais assustadora. Nenhum dos contendores pode, em bom rigor, perder! Estão em causa aspetos que ultrapassam as fronteiras dos países em conflitos e que são estruturais. Desde logo, a questão da soberania e do Estado de Direito, abalroados pela invasão dum país a um seu vizinho. Depois, a questão geopolítica mundial cujos contornos ficarão inegavelmente alterados por uma derrota que a Rússia jamais aceitará. Sem contar com o perigo que significa para o mundo inteiro colocar o Grande Urso contra as cordas.
A politica de sanções não surtiu efeito. Por mais explicações e ângulos de visão que se tenha a verdade dos factos está aí ao consumar-se o primeiro aniversário duma ofensiva tão hedionda quanto estranha e que parece ter perdido o interesse.
A opinião pública já se focou noutros aspetos, os discursos de Zelensky já não galvanizam multidões, a própria comunidade internacional começa aos poucos a cansar-se, a olhar o conflito doutra forma.
A guerra já não é notícia e a menos que a escalada seja vertiginosa, que envolva arsenal nuclear ou químico ou que afete outros países limítrofes, aos poucos deixará de ser um problema global para ser apenas um assunto entre dois países vizinhos.
A comunidade internacional (seja lá isso o que for) tem uma memória muito curta e tende a normalizar o que é incapaz de resolver.
A guerra já não é notícia e a menos que a escalada seja vertiginosa, que envolva arsenal nuclear ou químico ou que afete outros países limítrofes, aos poucos deixará de ser um problema global para ser apenas um assunto entre dois países vizinhos
Já ninguém se lembra que a Síria continua a viver uma guerra há mais de dez anos e a região de Aleppo só voltou aos ecrãs porque mais uma vez foi martirizada, desta feita por um fenómeno natural.
Aliás, a cobertura do sismo desta semana, talvez não apenas por uma questão de intensidade, mas também por uma pitada de remorso, focou-se apenas na Turquia, relegando o acontecido na vizinha Síria onde, de facto, pouco resta para além de escombros.
Mas retomando o conflito, que entrará brevemente no seu segundo ano, até ao momento e segundo as últimas estatísticas, terá feito 240 mil mortos entre militares e civis.
Curiosa mas estranhamente, pouco se sabe sobre os órfãos desta guerra!
Pesquisando um pouco verifica-se que as poucas notícias sobre o assunto reportam aos primeiros dias/meses do conflito, chamando à atenção para o facto de ter sido necessário deslocar 100 mil crianças que se encontravam em orfanatos nas zonas atacadas. A maior parte destas crianças já estavam institucionalizadas antes do conflito e do seu destino apenas uma breve nota de que 16 (dezasseis) teriam sido transferidas para a Polónia.
Ora, se há algo que a História tristemente nos assinala é que as guerras deixam atrás de si um rastro elevadíssimo de órfãos de todas as idades, desde bebés recém-nascidos a adolescentes.
Que é feito deles? Quantos são? Onde e como estão? Quem se responsabiliza pelo seu acolhimento?
Os números de menores não acompanhados ou falsamente acompanhados, isto é, que estão sem um tutor ou um familiar, que chegam às fronteiras, são demasiado baixos para representarem a realidade.
Por isso, impõe-se a questão de saber que é feito destas crianças. Até porque as guerras trazem ao de cima o melhor, mas sobretudo o pior do ser humano. As pilhagens sucedem-se, os maltratos e as violações nos grupos mais vulneráveis são práticas comuns, já consideradas como armas de guerra e o tráfico entrou há muito no rol deste conflito paralelo, que se alimenta abutremente da miséria dos outros.
A inexistência de números sobre crianças desamparadas, fruto deste conflito, deve preocupar as instâncias competentes, porquanto podemos estar perante um enorme fluxo de tráfico humano para fins bem piores que a exploração sexual.
Refiro-me concretamente ao perigo deste conflito estar a alimentar a cadeia do mercado negro de órgãos humanos.
Mercado esse cuja existência tem vindo a ser, a cada dia que passa, mais comprovado.
Merecerá um próximo artigo.
Para já fica no ar a pergunta: onde estão as crianças da guerra?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.