Não havia cadeira de Ética e Deontologia quando fiz a licenciatura em Comunicação Social. Creio que seria por dois fatores inegáveis: todas as cadeiras falavam das linhas vermelhas que um jornalista não podia ultrapassar relembrando-nos sempre que ser jornalista não é ser juiz; que pode e é seu dever denunciar situações que afetem ou tenham repercussão na vida das pessoas em geral e do País e do mundo em particular, assumindo o seu papel de 4º poder que não é de cowboy justiceiro.
Alertavam vezes sem conta para o ter cuidado de, primeiro, confirmar e cruzar fontes. Segundo, verificar se essas mesmas fontes não tinham agendas próprias, telhados de vidro e eram fidedignas. Terceiro, saber se, de facto, a notícia era mesmo algo que interessava e impactava ou se não passava dum fait -divers.
Portanto, uma das razões da não existência duma cadeira especifica de ética era o facto de ela estar presente em todas as restantes.
Mas mais importante era o facto da ética se aprender em casa, na família, na vida. Era o facto de ter uma coisa que esta em desuso como o pó de arroz: vergonha na cara.
Paralelamente era-nos incutida a noção do bom senso ou senso comum que é o menos comum dos sensos.
Não nos equivoquemos: não estávamos (e isto não foi na época dos dinossauros, mas há 30 anos) num limbo virginal. Havia exceções, havia artigos e notícias encomendadas. Havia contrapartidas para tal. Sempre houve e sempre haverá.
Mas uma enxurrada de notícias contra o carater dos políticos nos últimos tempos é coisa inédita!
Das duas uma: ou são efeitos secundários da Covid-19 ou interessam a alguém. Com isto não quero dizer que não existam casos que devam envolver polícia e investigação.
Mas há casos e casos e o tribunal mediático raramente iliba alguém e quando condena é para a vida.
Vejamos alguns que seriam hilariantes não fosse o prejuízo causado à imagem pública dos envolvidos:
“ – Asdrubal, hoje levas tu os putos à escola que eu já estou atrasada.”
Por um lado, retira importância áquilo que é de facto importante, que deve ser denunciado e alvo de investigação.
Por outro, porque cheira a encomenda de tal forma que até quem perdeu o olfato pela pandemia deteta a léguas
“ Ó filha, mas tenho reunião na Câmara…”
“Mais me ajudas… fica-te em caminho. Vá, despacha-te que o Evaristo tem teste ao primeiro tempo.
E o sr. Presidente enfia os miúdos no carro de serviço e leva-os ao liceu.”
Isto é peculato? Coisa diferente seria se o caso fosse: “- Maltosa tudo a encher a bagageira que vamos de férias e levamos o carro da Câmara que é mais espaçoso.”
Segundo caso:
“Belarmina, temos que conversar… Sei que foste a melhor engenheira civil do teu curso, que tens vindo a ser contactada e a ganhar concursos limpinhos em diversas instituições até internacionais. Mas, filha, tira a ideia de concorreres a chefe de Urbanismo da Câmara de Escalos de Cima porque eu sou ministro.
“Mas eu não quero cunha nenhuma. Até nem tenho o teu nome…
“Ah, não tens, não. E aliás nem vais ter porque, enquanto eu estiver na política, não há casamento para ninguém..
“Mas estou grávida…”
“ Ó que chatice… Ouve cá… quem entrega aqui as cartas em casa é homem ou mulher?
“ Homem.“
“ Pronto. Assunto resolvido.”
Terceiro caso que tem levado a uma correria à venda de ações das EDPs em bolsa, já que se chegou à conclusão que qualquer pessoa que detenha duas ações é, nem mais nem menos, que acionista da empresa. Um pouco como o bancário da caixa que passa a banqueiro, estão a ver?
Finalmente, um quarto, porque neste padrão não há três sem quatro ou cinco ou sei lá quantos.
Concurso para Chefe de Gabinete.
“ – A Almerinda sabe a confiança que deposito em si e como foi importante em toda a campanha. Por minha vontade, nomeava-a hoje mesmo minha chefe de gabinete. Conhece os dossiers como ninguém, o staff, mas… Sabe aquela história em que foi apanhada empoleirada na figueira do senhor abade aos figos?”
“ Ó senhor Presidente, isso foi há 40 anos, era eu uma cachopa…”
“ Pois… cachopa, cachopa, mas nunca fiando. O melhor é colocar a vaga no IEFP para nacionais e cidadãos europeus, esperar um mês e depois sim nomeá-la. Cá por coisas…”
Esta falta de critério nas notícias é duplamente perversa.
Por um lado, retira importância áquilo que é de facto importante, que deve ser denunciado e alvo de investigação.
Por outro, porque cheira a encomenda de tal forma que até quem perdeu o olfato pela pandemia deteta a léguas.
Como sou uma apaixonada por Criminologia (o que para alguns/algumas jornalistas deve ser igual a criminoso(a) e uma fã incondicional da Fox Crime), coloco de imediato algumas questões: porquê agora? porquê só a uma força partidária e a pergunta do milhão: a quem aproveita esta campanha?
Pena que o público tenha memória curta, caso contrário não esqueceriam que existe, num outro quadrante, um suspeito homicida duma velhinha para lhe ficar com o dinheiro.
Mas não se preocupem. Mais umas semanas e ainda vamos saber que o estripador de Lisboa que nunca ninguém descobriu, usava uma rosa na lapela
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