Aqui há uns anos a Bélgica esteve sem governo quase 24 meses, se a memória me não falha.
Em boa verdade, ninguém deu grande importância ao assunto e estou em crer que muitos belgas nem deram conta que o país estava em auto-gestão.
Em Portugal, isso seria completamente impossível já que a nossa administração pública é uma máquina muito pesada e sobretudo muito envelhecida.
Durante anos não aconteceu qualquer tipo de renovação de quadros, tendo-se criado uma manta curtíssima que ou cobre a cabeça e destapa os pés ou vice versa. Ou seja, não responde às necessidades do século XXI.
Resultado: pouco ou nada funciona em Portugal. A maior parte das vezes a culpa não é deste ou daquele ministro, mas sim da máquina trituradora que tutela e que é tão avessa à mudança, como o diabo à cruz
A informatização e simplificação de procedimentos é um passo importantíssimo para que esta máquina seja oleada. Mas, se não for acompanhada duma mudança de mentalidades, de incentivo à produtividade e sobretudo reconhecimento de mérito, acabando-se com as chefias intermédias e de topo que rodam ao sabor da cor governamental, não vamos lá.
Não há gente a mais na administração pública. O que há são muitos chefes e poucos índios.
Com a agravante que os chefes, com frequência, “não se querem atravessar” (é a frase mais ouvida nos corredores da administração), ou seja, não decidem e os índios que pouco mais ganham do que o suficiente para sobreviverem, não estão para se chatear (“tal dinheirito, tal trabalhito” é outra pérola sonante).
Resultado: pouco ou nada funciona em Portugal. A maior parte das vezes a culpa não é deste ou daquele ministro, mas sim da máquina trituradora que tutela e que é tão avessa à mudança, como o diabo à cruz.
Creio que faria bem a toda a administração pública fazer um estágio em empresas privadas onde quando há um problema, clarifica-se a situação definem-se os objetivos e resolve-se o problema. Ponto final.
Há dias dei o exemplo do clip. A compra de algum material simples, ou o tomar duma decisão, implica uma parafernália de documentos, carimbos, taxas, taxinhas, pareceres, despachos intermédios e muito no final despacho de quem de direito.
Podemos continuar assim?
Informatizamos os serviços, mas o ADN do pequeno poder, do empurrar com a barriga e do não se atravessar, está emprenhado fundo na estrutura e será tão mais difícil de mudar quanto mais jobs forem distribuídos por quem nunca viu nada de nada da vida.
Quando o problema é um clip a resolução do desenrasca é relativamente fácil: dobra-se um canto, corta-se um pedacinho que encaixa, qual cunha nas restantes páginas e, para dar mais confiança à coisa, rubrica-se, não vá o diabo tecê-las.
O problema é quando as questões a tratar envolvem pessoas, gente igual a nós, vidas.
Aí, não há desenrascanço que valha nem cuspo que possa curar feridas.
Aí, há que agir e rápido.
São poucas as exceções a este cenário que tracei.
Mas há.
Lembro-me quão célere foi Portugal a responder à questão afegã.
Todos conhecemos o projeto do saudoso Jorge Sampaio que, perante o desastre humano sírio, decidiu colocar-se ao serviço em prol da proteção da juventude daquele país, criando a Plataforma de Apoio a Jovens Universitários.
A bitola não é a mesma para todos. Mas, aparentemente, começa a ser cada dia mais estreita. Longe vão os dias de Aristides de Sousa Mendes que todos nós louvamos, mas que, na altura, teve que possuir a força de caráter, a audácia e a coragem de enfrentar tudo e todos por um bem maior.
Agora, a nossa estrutura está cheia de jovens que nada conhecem do mundo real e profissional, criados nas universidades partidárias e estruturas juvenis.
Que são o futuro, disso não existe a menor dúvida. Que alguns são brilhantes tão pouco.
Mas falta-lhes algo que apenas o tempo pode dar: mundo e capacidade de empatizar com o outro.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.