Um desses grandes filósofos cujas máximas são lapidares, afirmou que “os que esquecem o passado arriscam-se a cometer os mesmos erros no futuro”.
Não creio que haja frase mais adequada aos dias que a Europa vive!
O mais confrangedor é o ar de estranheza que colocamos perante os avanços da extrema-direita, o que nos leva a pensar que andamos todos cegos e conduzidos por um invisual (trata-se duma metáfora, para que não haja dúvidas).
Todos os indicadores, todos os sinais estavam lá. Mas parece que as frases assassinas do nosso país ultrapassaram fronteiras e são agora lemas europeus: “Isto não há-de ser nada”, “Depois logo se vê” e a fabulosa “A malta desenrasca”.
Sempre quero ver como é que “a malta desenrasca” o imbróglio de termos a terceira maior economia europeia nas mãos da extrema-direita!
Claro que os tais “invisuais” ou, melhor dizendo, os que têm a visão limitada à circunferência do próprio umbigo, já começaram a tentar minimizar a coisa, dizendo que os governos em Itália duram, na melhor das hipóteses, meia dúzia de meses…
Não compreendem ou não querem compreender, que esse não é o problema! Não são as tipologias governamentais que preocupam. É o número de eleitores que os elegem, que neles confiam, que os apoia. No caso, uma maioria absoluta.
Os mesmos que continuam a enterrar a cabeça na areia, porque não lhes convém assumir que a forma como têm feito política até ao momento tem fomentado este estado de coisas, alegam que a coligação se desmoronará porque uma vez que há áreas onde os três partidos divergem
“Com uma enorme abstenção”, dirão os mesmos. Mas, em bom rigor, que interessam os 30% que não foram às urnas? Em Portugal, também temos uma maioria absoluta. Isso deveu-se à abstenção ou à vontade dos eleitores?
Na Itália de Mussolini a maioria dos que foram às urnas votaram NÃO em relação à comunidade LGBT+; NÃO ao casamento homossexual, NÃO ao aborto, NÃO aos imigrantes.
O discurso da campanha foi tudo menos camuflado. Quem votou sabia claramente ao que ia, porque a senhora Meloni não deixou espaço para quaisquer dúvidas
Será sem duvida um discurso populista, mas devemos questionar-nos porque agrada tanto ao povo que é, em democracia, quem mais ordena.
Os mesmos que continuam a enterrar a cabeça na areia, porque não lhes convém assumir que a forma como têm feito política até ao momento tem fomentado este estado de coisas, alegam que a coligação se desmoronará porque uma vez que há áreas onde os três partidos divergem. Até parece que não fomos nós a inventar a “geringonça política”, que durou o tempo que sabemos e na qual havia vários pontos de conflito. Porém, o que os unia era mais forte do que o que os separava. É isso que fortalece e mantém uma coligação. E nos pontos das migrações, do nacionalismo, da homofobia e xenofobia a coligação italiana converge una.
A Itália fechará as portas à imigração.
Mas qual será o destino dos milhares de refugiados e requerentes de asilo, que ali permanecem a aguardar uma solução? Serão enviados de volta aos seus próprios países? Nesse caso, a Itália estará em colisão com o principio do non-refoulement, que ratificou e que proíbe que qualquer pessoa seja forçada a regressar ao seu país contra a sua vontade, enfrentando situações que ponham em causa a sua integridade física e moral.
Portanto, a menos que a senhora dos melões decida virar as costas à Europa nesta matéria (o que não seria a primeira vez, todos recordamos o humanismo do sr. Matteo Salvini) terá que proceder a uma “limpeza migratória” podendo recorrer aos vários exemplos históricos dos quais se diz herdeira: campos de concentração; envio de barcaças de borracha em direção a alto mar etc, etc e etc.
O pior deste cenário é que ele será aplaudido por grande parte da população italiana, cansada de se ver a braços com as vagas migratórias com que a UE não sabe lidar e para as quais não tem políticas consequentes.
A Itália, bem como a Grécia, tem lidado praticamente sós perante esta situação.
A Turquia, com quem a UE fez um outsourcing, ameaça a cada passo abrir as fronteiras.
Rondas de negociações, grupos de trabalho, projetos megalómanos. Resultado?… pois!
Tanto em Bruxelas, como um pouco por todos os países que compõem a União, a palavra chave é mexer muito para manter tudo igual.
Por cá, há anos que se fala duma renovação no procedimento de acolhimento migratório em Portugal.
Só agora é que começa a mexer alguma coisa com a revisão da Lei de Estrangeiros e a promessa de que a Agência Portuguesa de Migração e Asilo verá a luz do dia no final deste ano. Quero e tenho razões para acreditar que sim.
Mas o tempo dos gabinetes não é o tempo dos que dependem das suas decisões e que têm por isso as suas vidas suspensas.
Até lá a situação continua a arrastar-se num esgar moribundo que desgasta os funcionários e os utentes, numa agonia que já só aspira ao fim.
A Itália disse “Basta!” e o resultado está aí: um recuo de setenta anos na História.
Mas este é um vento que sopra duma ponta à outra desta desunião demonstrando que, quando nos afastamos dos princípios e tornamos a política num emprego, acabamos sempre por pagar um preço demasiado alto.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.