É bem possível que a História venha a identificar o momento em que vivemos como D.C. Depois do Conflito, por contraposição a A.C., Antes do Conflito, numa apropriação laica das siglas.
Com efeito, toda a geopolítica mudou nos últimos três meses. Ou melhor toda a nossa perceção geopolítica foi alterada, já que o xadrez politico e estratégico continua muito sitiado pelo poder económico, como sempre.
Naturalmente que a quebra de neutralidade de dois países, histórica e deliberadamente arredados de alinhamentos, veio trazer um novo padrão ao jogo.
O alargamento da NATO à Finlândia e à Suécia vai permitir uma limitação securitária de toda a zona Báltica. Todo e qualquer eventual ataque às repúblicas da Letónia, Estónia ou Lituânia torna-se assim muito mais difícil.
Em bom rigor, a adesão à NATO, pelo menos no que à Finlândia diz respeito, era uma questão de tempo.
Embora a Finlândia seja militarmente muito forte, o certo é que, estando numa União que não possui qualquer tipo de estrutura defensiva própria, a sua posição envolvia uma certa vulnerabilidade.
Daí que não possamos deixar de encarar os diferentes exercícios conjuntos entre aquele país e a NATO, nos últimos anos, como uma evidência clara dum propósito a meio ou mesmo longo prazo
O conflito veio apenas acelerar um processo que, muito embora não estivesse sobre a mesa, se encontrava latente, sobretudo atendendo ao facto de ter como vizinho uma potência militar como a Rússia que nunca negou a sua histórica tendência imperialista.
Embora a Finlândia seja militarmente muito forte, o certo é que, estando numa União que não possui qualquer tipo de estrutura defensiva própria, a sua posição envolvia uma certa vulnerabilidade.
Daí que não possamos deixar de encarar os diferentes exercícios conjuntos entre aquele país e a NATO, nos últimos anos, como uma evidência clara dum propósito a meio ou mesmo longo prazo. A ameaça apenas veio reduzi-lo e tornar a decisão mais célere.
No entanto, estas duas adesões podem ter como resultado o adiamento, mais uma vez, da reestruturação da UE no que diz respeito à criação dum Sistema de Defesa e Segurança autónomo.
Adiar essa decisão é apenas empurrar um problema que deixará sempre a Europa refém de Estados que, não fazendo parte da União mas sendo membros da Aliança Atlântica, podem usar o seu poder de veto.
Creio que ninguém tem qualquer dúvida em como, quer a Finlândia quer a Suécia, irão ser integradas na NATO.
Resta saber qual o preço a pagar à Turquia para que tal aconteça.
Há anos a tentar entrar na UE e a ver o seu processo sofrer avanços e recuos, a Turquia vai usar o seu lugar na Aliança para forçar a União Europeia a franquear-lhe as portas, coisa que tentou, mas não conseguiu, com a crise dos refugiados.
Desta vez, porém, o cenário é bastante diferente porque o que está em causa não é a segurança de cidadãos de países terceiros, mas de europeus.
É, pois, bem possível que seja essa a moeda de troca.
A ser assim, a UE ficará com uma questão delicada em mãos, uma vez que poderá ter que abdicar de alguns princípios indispensáveis à adesão de novos membros.
Poderão os países europeus ignorar questões relacionadas com direitos humanos, democracia e laicidade, para enumerar apenas alguns?
Caso isso aconteça, que UE irá surgir deste D.C.?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.